Questoes de escrita biográfica em O Cavaleiro da Esperaga,
de Jorge Amado
Problemas de escritura biográfica en El Caballero de La Esperanza,
de Jorge Amado
Wagner Coriolano de Abreu*
Resumo
Vida de Luiz Carlos Prestes representa a metade da vida do biografado, que sobreviveu aos maus tratos do regime presidido por Vargas e posteriormente á dissolu^ao do Partido Comunista. Em duas partes da biografía de Luiz Carlos Prestes, o escritor Jorge Amado retira o material do arco de tempo compreendido entre os anos 1935 a 1942. Isto acontece no capítulo quatro (Canto da Alianza Nacional Libertadora) e no capítulo cinco (O Cavaleiro da Esperanza), onde encontramos algo muito específico, como a tortura, que merece um estudo diferenciado, talvez se possa escrever sobre a tortura segundo esta obra de Jorge Amado. A a?ao tenebrosa da polícia política, todavia, se estende oficialmente até 1945, quando encerra o governo de Getúlio Vargas, embora a ditadura e seus efeitos nefastos permane^am até a contemporaneidade. Palavras-chave: Jorge Amado, biografía, Cavaleiro da Esperanza, teoria literária
Abstract
"Vida de Luiz Carlos Prestes" encompasses half of the life lived by Prestes, who bravely survived to Vargas's government and the dissolution of the Communist Party". In order to write at least two chapters of his biography on Luiz Carlos Prestes, the brazilian writer Jorge Amado makes use of material extracted from the cronological interval between the years of 1935 and 1942: in chapters 4 and 5, we'll find specific topics, such as political torture, that deserve a study on their own, since these topics may ensure a further understanding on the subject. The outrageous actions perpetrated by political police were supposed to be abolished in 1945, when his government came to an end. However, dictatorship and its nasty effects on the political scenario can be traced further.
Keywords: Jorge Amado, biography, The knight of hope, literary theory
* Brasileño, Doctor en Literatura y Lingüística, académico de La Faculdad de Tecnología -FTEC/Rio Grande do Sul, [email protected]
Consultei a primeira edi9ao da biografía de Luiz Carlos Prestes, O Cavaleiro da Esperanga, escrita por Jorge Amado, em exemplar que se encontra na Biblioteca da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Publicada pela Editorial Claridad, de Buenos Aires, a edi9ao traz uma noticia sobre Jorge Amado, prefácio de Carlos da Costa Leite, introdu9ao com um rimance, uma nota; ao final, apéndice com diversos documentos: duas cartas, um artigo e documentos do advogado Sobral Pinto, bem como a reprodu9ao de algumas fotografias do engenheiro militar Luiz Carlos Prestes e de pessoas e episodios ligados a ele (AMADO, 1942). A nota esclarece a necessidade de escrever a biografía pelo fato de ser Prestes a figura central no ciclo de movimentos iniciado em 22, com a revolta do Forte de Copacabana.
O leitor que se dispuser a uma consulta desta primeira edi9ao encontrará no pequeno texto "Jorge Amado" a noticia da trajetória política que leva o escritor baiano, profundamente engajado do ponto de vista político - "um comunista militante" conforme lembra Moacyr Scliar em artigo de jornal - ao exilio (SCLIAR, 2010, p. 6). A noticia elucida a questao política e profissional de Jorge Amado, impedido que ficara de fazer circular seu produto literário e de sobreviver como escritor.
Havendo ele tomado parte em 1935 no movimento político da Aliaba Nacional Libertadora, escritor do povo lutando ao lado do povo, em 1936 é preso. Novamente vai ao cárcere em 1937, ao voltar de uma viagem pelas Américas. Isso se passa junto ao golpe do Estado Novo. Seus livros sao proibidos no Brasil, seqüestrados e queimados em "autos de fé". Um decreto os colocava fora da lei. Pouco depois sao proibidos em Portugal e colonias, onde era grande seu público. (...) De 1938 a 1941, uma vez posto em liberdade, Jorge Amado escreve muito e pouco pode publicar. (...) Finalmente, em meados de 1941, Jorge Amado logra sair de Brasil e vem residir na Argentina, de onde escreve esta biografia de Luiz Carlos Prestes, o "Cavaleiro da Esperaba" (AMADO, 1942, p. 7-8).
A partir da década de 1940, Jorge Amado tem uma maior proje9ao e influéncia no interior do Partido Comunista Brasileiro/PCB. Com o fim do regime presidido por Getúlio Vargas será eleito deputado federal pelo estado de Sao Paulo.
Consultei igualmente a vigésima segunda edi9ao brasileira da obra a fim de realizar este estudo. Acompanha a edi9ao outra nota, datada de 1979, referente á vigésima edi9ao, na qual o escritor registra a atualidade do propósito de servir á causa da anistia aos presos (e exilados) políticos, que motivara a escrita da biografía, unindo a campanha pela anistia de Luiz Carlos Prestes á campanha pela anistia aos perseguidos pela Ditadura Militar de 1964. Ainda, na mesma nota, declara-se velho amigo e admirador do líder militar, por seu exemplo de coerencia e dignidade, dedica9ao ao povo. "Discordar de Prestes, combate-lo, é direito de todos os seus adversários políticos. O que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza á sua presera em mais de meio século de vida nacional" (AMADO, 1979, p. 3).
O Cavaleiro da Esperanga representa a metade da vida do biografado, que sobreviveu aos maus tratos do regime presidido por Vargas e posteriormente á dissolu9ao do Partido Comunista. De acordo com a portuguesa Maria Helena Santana, podemos entender a
biografía "como uma narrativa que toma por tema a vida de um individuo historicamente documentado" (SANTANA, 2006, p. 139-40). Decorre desta ideia um arcabouço de teorizaçâo, no qual se encontram o género biográfico, o estatuto da personagem, a fronteira historia e literatura, entre outros tópicos pertinentes ao estudo do texto biográfico.
A questao da biografía, como objeto de particular interesse da teoria literária, vai além de uma breve exposiçâo, pois que o género biográfico tem fundamentos retóricos e poéticos que se encontram na Antiguidade. Nesse sentido, o estudo do discurso biográfico, de acordo com André Mitidieri, é empreendimento que supôe a desmemória, "no sentido de uma operaçâo para esquecer as marcas disciplinares que separam irreconciliavelmente os estudos históricos dos literarios" (MITIDIERI, 2010, p. 15).
De grande valor para o entendimento das escritas biográficas, o trabalho de Mitidieri com os clássicos da biografía se ocupa com o espaço biográfico, deixando de fora da pesquisa a historia de vida, embora anote uma formulaçâo instigante para o estudo desta modalidade. Segundo o pesquisador Elizeu Clementino de Souza, historia de vida é conceito relacionado a uma denominaçâo genérica em formaçâo e em investigaçâo, visto que se revela como pertinente para a autocompreensao do que somos, das aprendizagens que construímos ao longo da vida, das nossas experiéncias e de um processo de conhecimento de si e dos significados que atribuímos aos diferentes fenómenos que mobilizam e tecem a nossa vida individual/coletiva (ABRAHÂO; SOUZA, 2006, p. 138)
A historia de vida, por este viés, tem a ver com a escrita biográfica que aparece no romance ou na literatura, no sentido atual da palavra. Grosso modo, a biografía de Prestes por Jorge Amado segue este modelo, revelando elementos de ficcionalidade que "permitem uma grande liberdade interpretativa, e mesmo criativa" (SANTANA, 2006, p. 140). Com a leitura de O Cavaleiro da esperança pretendo assinalar trés questoes relacionadas à escrita biográfica, como atualmente vem sendo analisada no campo dos estudos literários.
Uma primeira questao se refere à noçâo de história da vida. Como cadeia de eventos, a historia da vida apresenta implicaçoes, entre as quais, se destaca a questao relacionada a se uma vida pode ser contada. Como Jorge Amado conta a vida de Luiz Carlos Prestes? Temos que o escritor recorre a leituras e fontes orais para reconstituir o vivido pelo biografado, sobretudo por se encontrar na condiçao de militante e de exilado político, que o coloca próximo a atores principais do movimento ao qual pertencia o biografado. No livro Navegaçâo de cabotagem, o escritor faz um apontamento no qual registra o local (Buenos Aires), o ano (1941) e a condiçao de convivéncia: "Santos Lugares, delicia de subúrbio de Buenos Aires. Assim o era em mil novecentos e quarenta e um quando lá vivi na chácara de um italiano, ali escrevi O Cavaleiro da Esperança" (AMADO, 1992, p. 437).
Jorge Amado relata que a convivéncia com Júlio de Mesquita Filho se iniciou em 1941 "quando cheguei a Buenos Aires para escrever O Cavaleiro da Esperança e o Partido me deu a tarefa de tratar com os liberaloides, a gente de Armando Sales de Oliveira, a hora era de aliança na luta contra o fascismo". Em seguida, informa que o jornalista "acompanhou com interesse a pesquisa em que me empenhei para escrever a louvaçao do Cavaleiro da Esperança, recomendou-me livros, lembro-me de um deles, de autoria de Aureliano Leite
de quem eu viria a ser colega na Constituinte.1 Levei para Julinho um dos primeiros exemplares da edi9ao Claridad de La Vida de Luiz Carlos Prestes" (AMADO, 1992, p. 5152).
Maria Helena Santana adverte que "transformada em história a vida passa a ter um sentido e pode ser vista de trás para frente, de frente pra trás. Nesse sentido, a marca da narrativa é a artificialidade" (SANTANA, 2006, p. 141). A biografia de Prestes escrita por Jorge Amado pode ser tomada como ilustrativa desta afirma9ao. O escritor antepoe á abertura do primeiro capítulo, uma nota explicativa onde destaca a especificidade desta segunda biografia, com a qual traz "para junto do povo a figura de Herói, nascida do povo e na frente do povo. Um exemplo para todo o Brasil" (p. 16). Amado inicia o texto biográfico de modo solene e épico:
Nessas terras do sul ele nasceu, amiga. Aqui, nesses campos que se estendem em busca do infinito, correm livres os animais e as lendas. É o pampa, planície sem fim, melancólica e suave; o céu azul, azul de impossíveis compara9oes, o campo verde, verde de todos os matizes, onde pastam os bois calmos, onde correm nervosos cavalos. Aqui nascem os homens valentes, amiga, aqueles que deixam um rastro de lenda na sua passagem. É o país do Rio Grande do Sul, dos caudilhos, das revolu9oes, da coragem sobre todas as coisas (AMADO, 1979, p. 21).
Como bom escritor, Jorge Amado narra a cena do nascimento do herói in media res. No quarto capítulo, o leitor recebe a informa9ao que Prestes nascera em trés de janeiro de mil oitocentos e noventa e oito, sendo informado nos capítulos anteriores sobre a origem familiar do protagonista. A moldura que Jorge Amado coloca na biografia valoriza a vida numa perspectiva abrangente. As partes do texto indicam que o individual se coaduna com o político-social, visto que a história do menino e seu posterior codinome formam um arco em torno da dimensao política da Coluna, do exílio e da Alian9a Nacional.
A história da vida, na biografia de Prestes, segue a diretriz estabelecida no estudo de Maria Helena Santana, quando afirma que "pode ler-se mesmo retrospectivamente, como se o 'depois' iluminasse o 'antes', como se os nossos actos nao fossem imprevistos mas concorressem para um objectivo" (SANTANA, 2006, p. 142). A biografia dimensiona a vida do homem Prestes no pano de fundo da história da República do Brasil. Esta dimensao evidencia-se ainda na primeira parte do livro: "Os homens que fizeram as revolu9oes de 22, 24, 30 e 35 foram educados por Prestes, tiveram nele o seu professor e isso quando ele era ainda aluno da Escola Militar. Dessa gera9ao saíram os tenentes, os outubristas e os nacionais-libertadores" (AMADO, 1979, p. 61).
1 "Em janeiro de 1946 tomei posse na Cámara Federal de Deputados da cadeira para a qual fora designado pelos votos dos eleitores de Sao Paulo. Assumira com Prestes o compromisso de exercer o mandato durante três meses, voltando em seguida a meu trabalho de escritor. Fiquei dois anos, até que, num dia de janeiro de 1948, fomos expulsos do Parlamento, eu e meus companheiros de bancada" (AMADO, 1992, p. 70).
Uma segunda questao se refere ao estatuto da personagem. É bom lembrar que um principio clássico atesta que "nenhuma personagem histórica é real, desde que posta em texto" (SANTANA, 2006, p. 144). Amigo e admirador de Prestes, o escritor escreve destacando a coeréncia e dignidade da personagem, seu amor e dedica9ao ao povo. A primeira parte, O Menino Pobre, firma-se na reconstitui9ao biográfica romanceada da vida de Prestes, da uniao dos pais, nascimento do menino e vida familiar ao lado das irmas. Com a morte precoce do pai, Leocádia e os filhos ficam em situa9ao precária devido ao baixo valor do montepio, o que a leva a lecionar francés e piano e a realizar trabalhos de costura para as poucas clientes que a contratam.
O narrador se dirige a uma leitora imaginária pelo tratamento de "amiga" e ás vezes "negra". De acordo com texto da editora, "o procedimento revela a inten9ao de falar diretamente ao povo brasileiro, conclamando os leitores a tomar posi9ao pela democracia e pela liberdade" (AMADO, 2011). Espera que ofere9a o livro á mae de Prestes, que se encontra na Fran9a, em busca de resgatar a filha do casal Olga e Prestes. "Longe de seu filho, em terras que nao sao as suas, sofre e luta dona Leocádia Prestes. Escrevi este livro, amiga, para que o ofere9a á mae de Luiz Carlos Prestes como uma dádiva do Brasil" (AMADO, 1942, p. 9).
Jorge Amado, com seu texto biográfico sobre Luiz Carlos Prestes, revela conhecimento e domínio de técnicas de narrativa biográfica e constru9ao da personagem. Antecipa, destarte, o novo jornalismo, surgido nos Estados Unidos por volta de 1960, cuja principal característica seria a mistura da narrativa jornalística com a literária. Até certo ponto nao se tem como separar o narrador á solta de seu personagem, pois ambos comungam um ideário e uma trajetória de lutas. Amado iniciou a carreira de romancista muito jovem, ainda com dezenove anos publicou O país do carnaval (1931).
O texto biográfico de O Cavaleiro da Esperanga junta elementos de oralidade com o domínio da linguagem literária, com a experiéncia de participa9ao política, a prisao, o exílio e diversas viagens para lugares do exterior, onde pode constituir uma compreensao do país. Senhor de um diálogo político bem fundamentado e de uma ampla visao de conjuntura e interpreta9ao da realidade - pois envolvido com a causa social no Brasil e na América Latina - o biógrafo tem atributos que o aproximam deveras do biografado.
Jorge Amado recria em curto prazo, sob encomenda, a vida de Luiz Carlos Prestes. Da boa rela9ao com o Partido Comunista, percorre os caminhos outrora percorridos por Prestes. Exilado, vai ao Uruguai e á Argentina, onde pode com seguraba e apoio de fontes e arquivos tecer as cinco partes do monumental texto biográfico. Pela riqueza de detalhe do memorial da infancia e familiar, e dos tempos de forma9ao escolar (Parte 1), infere-se que tenha mantido contato pessoal ou por carta com dona Leocádia e com as irmas de Prestes. Pela longa descri9ao da marcha da Coluna (Parte 2), teve acesso a relatórios de campanha, correspondéncia e entreteve conversa9ao com participantes do grande feito. Aqui, se destaca mais uma vez o acúmulo de movimenta9ao característico tanto do biógrafo como do biografado. A Coluna que saiu do Rio Grande do Sul e atravessou o Brasil encerra sua andan9a cívica em terras da Bolívia. Pelo exílio (Parte 3), reassume o trabalho de engenheiro militar e conduz seus soldados ao regresso á pátria e á família. Prestes também
se movimenta no exilio. "Agora sao novos caminhos, amiga, os caminhos do exilio. Nessas trés etapas do exilio de Prestes: La Gaiba, o Prata e U.R.S.S., o seu pensamento vai andar um largo caminho" (AMADO, 1979, p. 209).
Pelo retorno ao país em busca de mudabas para o povo (Parte 4), Prestes atua como líder aclamado pelo grande contingente de homens e mulheres que reagem aos descaminhos do governo constituído na Aliaba Liberal.2 Pela dignidade e perseveraba na luta (Parte 5), Prestes atravessa o longo período de prisao, opondo-se á tortura e á mentira, solidário com os presos políticos do governo Vargas e seus capatazes.
A personagem Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperaba, como ficou conhecido em diversos rincoes do Brasil á época da marcha, se define por vários tra9os marcantes, sobressaindo a inteligencia, a dedica9ao á mae e ás irmas, o esfor9o para superar as barreiras no meio escolar e social e o ideal pelo bem comum. A biografía de Prestes na historia de Jorge Amado acentua ainda mais os méritos do escritor baiano, cuja obra foi leitura de cabeceira para escritores do neo-realismo portugués e para escritores africanos de língua portuguesa que vieram a fazer as guerras de independencia na África.3
Por fim, uma terceira questao diz respeito á relevancia histórica e aos feitos da personalidade biografada. O texto de Jorge Amado mistura duas categorias do género apontadas por Maria Helena Santana: a dimensao mitificadora, poderosa aliada da biografía, onde lemos que "os heróis estao mortos, mas á espera de viver" e a dimensao da vida atribulada que desperta interesse, "o nome importa menos do que a existéncia, no que ao imaginário diz respeito" (SANTANA, 2006, p. 147). O certo é dizer que Jorge Amado mistura estas categorias ás avessas.
Luiz Carlos Prestes recebe consagra9ao de herói ainda em vida e sua existencia atribulada nao se sobrepoe ao amor do povo pela sua pessoa e nome. Dos feitos de Prestes, "a marcha da Coluna" talvez seja o epíteto que melhor particularize a brasilidade deste homem nascido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Por onde a Coluna passou deixou um rastro que rendeu a Prestes o codinome "Cavaleiro da Esperaba".
Jorge Amado dedica um ter9o do livro para reconstituir a grande marcha, que é contada nas crónicas - "as escritas e as orais, as que estao nos livros e nos artigos e as que sao narradas nas feiras do nordeste pelos cegos cantadores" - sobre os feitos de bravura e lealdade do
2 A Pequeña Historia da República, do professor Joao Cruz Costa, mapeia o quadro político brasileiro dos anos 20, por meio do qual informa que "em junho de 1929, Antonio Carlos, Getúlio Vargas e Borges de Medeiros - sempre hesitantes - firmaram um acordo do qual resultou o movimento denominado Aliaba Liberal, á sombra do qual se fez a propaganda de Vargas para a presidencia" (CRUZ COSTA, 1989, p. 90).
3 Quanto á influencia de Amado em escritores portugueses do neo-realismo, a que se ler Ficgao e convicgao, do professor Edvaldo Bergamo, que analisa a rela9ao de Amado com Alves de Redol, Joaquim Soeiro Pereira Gomes e Fernando Namora; quanto á influencia em escritores africanos de língua portuguesa, é possível verificar na obra de Pepetela e em inúmeras entrevistas, entre as quais a concedida a Carlos Liberato e Felipe Paiva (LIBERATO; PAIVA, 2011).
general apoiado por seus soldados (AMADO, 1979, p. 200). E conta alternando cenas detalhadas e sinopses de tempo vivido, bem como prenunciando um tempo que será vivido ao longo da biografía.
No capítulo onze, já tendo iniciado a parte dois, A marcha da Coluna Prestes, o biógrafo registra o tempo da travessia: "Nessa marcha, amiga, vinte e seis mil quilómetros cruzados de 29 de outubro de 1924 a 3 de fevereiro de 1927, há, nao só um rasgar de selvas, um abrir de estradas na caatinga e nos desertos, há também um abrir de caminho no pensamento brasileiro" (Idem, p. 94). De acordo com Anita Leocádia Prestes, a Coluna "jamais foi derrotada, embora tenha combatido forças muitas vezes superiores em homens, armamento e apoio logístico, tendo enfrentado ao todo 53 combates". (PRESTES, 2006, p. 24).
O tempo de exilio de Prestes é riquíssimo de elementos que elucidam o homem perante a conjuntura nacional e perante seus contemporáneos. Na parte Os caminhos do exilio, várias passagens ilustram a singularidade de Prestes. "Ele nao era um homem em busca do poder. Era um homem em busca da felicidade do seu povo" (AMADO, 1979, p.216). E, mais adiante, o biógrafo afirma que "tal é o seu prestigio, a sua superioridade moral sobre todos os conspiradores, que estes acatam sua opiniao sem discutir" (Idem, p. 217). Ele estava no exilio, sendo procurado por diversos líderes partidários, e mantinha a cabeça firme, voltado ao trabalho, firmando contratos como engenheiro a fim de ganhar a vida e apoiar seus companheiros de exílio.
O biógrafo Jorge Amado tem pericia como escritor e como homem político. Estabelece um sutil retrato intelectual do biografado, como homem bem formado pela academia militar que encontra o aporte da teoria social, o que será necessário para seguir mais adiante na libertadora açao nacional. A cena nos reporta ao encontro com Oscar Creydt, o paraguaio, que escreverá um testemunho relevante sobre Prestes: "Nessa época, Prestes começava a interessar-se na leitura de literatura marxista. Estava no período de análise, de auto-exame, de crítica retrospectiva".
O livro de Jorge Amado, escritor da Bahia, da regiao grapiúna, oferece uma diversidade de caminhos a quem se dispóe ao estudo da biografia e ao estudo da história brasileira. Ao leitor acostumado com o romance e a literatura poética, o escritor também nao deixa por menos. O Cavaleiro da Esperança nao cai da mao de quem o toma para a leitura. Mesmo que lidando com uma vida in progress, Jorge Amado soube equilibrar a leitura da personagem com o compasso da história, mestra da vida. Depois deste livro - proscrito por longo tempo - muitos livros apareceram tratando de temáticas diretamente relacionadas ao gaúcho Luiz Carlos Prestes. Destaco o livro da filha de Prestes com Olga, professora de história Anita Leocádia Prestes, intitulado Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário e comunista, porque entendo-o como uma escrita profunda e corajosa. Prestes ilumina o legado comunista. Esta é uma leitura amadiana!
Mexendo em papéis velhos, encontrei o encarte especial dedicado ao escritor, no dia seguinte à sua partida, em 06 de agosto de 2001. Antonio Risério nos comunica que Jorge Amado recriou a vida social baiana. O texto de Risério, a meu ver, contribui para o encerramento deste trabalho à medida que biografa o escritor, justamente quando Jorge
Amado exercia a tarefa de biografo. "Foram tempos dificeis aqueles, principalmente após a implantaçao da ditadura do Estado Novo. Entre outras coisas, Jorge é preso no Rio e em Manaus, refugia-se na Argentina, passa por um confinamento em Salvador, vê "Capitaes de Areia" ser apreendido e queimado em praça pública por determinaçao do governo" (RISÉRIO, 2001, p. 3). A obra O Cavaleiro da Esperança é um convite à leitura.
Bibliografia:
ABRAHÂO, Maria Helena Menna Barreto; SOUZA, Elizeu Clementino de (Orgs.). Tempos, narrativas e ficçoes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.
AMADO, Jorge. Vida de Luiz Carlos Prestes: el caballero de la esperanza. Traduction directa del portugués por Pompeu de Accioly Borges. Buenos Aires: Editorial Claridad, 1942.
_. O cavaleiro da esperança: vida de Luiz Carlos Prestes. 22 ed. Rio de
Janeiro: Record, 1979.
_. Navegaçao de cabotagem: apontamentos para um livro de memorias que
jamais escreverei. Sao Paulo: Círculo do Livro, 1992.
_. O cavaleiro da esperança. Sao Paulo: Companhia das Letras, 2011.
BERGAMO, Edvaldo. Ficçao e convicçao: Jorge Amado e o neo-realismo literário portugués. Sao Paulo: Editora UNESP, 2008.
CRUZ COSTA, Joao. Pequena história da República. 3 ed. Sao Paulo: Brasiliense, 1989.
JOFFILY, José. Harry Berger. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 1987.
LIBERATO, Carlos; PAIVA, Felipe. A ideologia da escrita: Pepetela, uma entrevista. Mulemba. Rio de Janeiro, v. 1, n. 5, pp. 152-158, jul/dez 2011 (ISBN 2176-381X).
MITIDIERI, André Luis. Como e porque (des)ler os clássicos da biografia. Porto Alegre: IEL; EDIPUCRS, 2010.
PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes: patriota, revolucionário, comunista. Sao Paulo: Expressao Popular, 2006.
RISÉRIO, Antonio. Escritor recriou a vida social baiana. Folha de Sao Paulo, Sao Paulo, 7 ago. 2001. Especial, p.3.
SANTANA, Maria Helena. A escrita biográfica ou a vida como uma historia. In: REIS, Carlos (coord.) Figuras de ficçao. Coimbra: Centro de Literatura Portuguesa, 2006. SCLIAR, Moacyr. Lembrando Jorge Amado. Zero Hora, Porto Alegre, 13 jun 2010.
Recibido: 23 marzo 2012 Aceptado: 12 septiembre 2012