Научная статья на тему 'O MAXIMALISMO COMO PROBLEMA: CIRCULAçãO E APROPRIAçãO DA IDEIA DE BOLCHEVISMO NO MOVIMENTO OPERáRIO BRASILEIRO DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DA REVOLUçãO RUSSA'

O MAXIMALISMO COMO PROBLEMA: CIRCULAçãO E APROPRIAçãO DA IDEIA DE BOLCHEVISMO NO MOVIMENTO OPERáRIO BRASILEIRO DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DA REVOLUçãO RUSSA Текст научной статьи по специальности «СМИ (медиа) и массовые коммуникации»

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MOVIMENTO OPERáRIO BRASILEIRO / MAXIMALISMO / REVOLUçãO RUSSA

Аннотация научной статьи по СМИ (медиа) и массовым коммуникациям, автор научной работы — Duarte Bartz Frederico

Neste artigo vou discutir as múltiplas formas como o bolchevismo foi compreendido e apropriado por militantes do movimento operário brasileiro durante os primeiros anos da Revolução Russa, entre 1917 e 1919. Este período de tempo é importante porque foi quando a idéia de "maximalismo" (que era a tradução Português para o termo bolchevismo), circulou de forma mais criativa entre os trabalhadores. O termo maximalismo não pode ser visto apenas como uma interpretação enganosa ou má tradução, porque o surgimento deste conceito promoveu um debate sobre novas concepções de revolução social entre os trabalhadores organizados.

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Текст научной работы на тему «O MAXIMALISMO COMO PROBLEMA: CIRCULAçãO E APROPRIAçãO DA IDEIA DE BOLCHEVISMO NO MOVIMENTO OPERáRIO BRASILEIRO DURANTE OS PRIMEIROS ANOS DA REVOLUçãO RUSSA»

O maximalismo como problema: circulaçâo e apropriaçâo da ideia de bolchevismo no movimento operário brasileiro durante os primeiros anos da Revoluçao Russa

Maximalism as a problem: circulation and appropriation of the idea of Bolshevism in the labor movement during the early years of the

Russian Revolution

3

*

Frederico Duarte Bartz

Resumo: Neste artigo vou discutir as múltiplas formas como o bolchevismo foi compreendido e apropriado por militantes do movimento operário brasileiro durante os primeiros anos da Revolujao Russa, entre 1917 e 1919. Este período de tempo é importante porque foi quando a idéia de "maximalismo" (que era a tradujao Portugués para o termo bolchevismo), circulou de forma mais criativa entre os trabalhadores. O termo maximalismo nao pode ser visto apenas como uma interpretajao enganosa ou má tradujao, porque o surgimento deste conceito promoveu um debate sobre novas concepjoes de revolujao social entre os trabalhadores organizados.

Palavras-Chave: Movimento Operário Brasileiro, Maximalismo, Revolujao Russa.

Abstract: In this article I will discuss the multiple forms as the Bolshevism was understood and appropriated by militants of the Brazilian labor movement during the early years of the Russian Revolution, between 1917 and 1919. This period of time is important because it was when the idea of "maximalism" (which was the Portuguese translation for the term Bolshevism), circulated so more creatively among the workers. The term maximalism can not be seen only as a misleading interpretation or mistranslation, because the emergence of this concept fostered a debate on new conceptions of social revolution among organized workers.

Keywords: Brazilian Workers Movement, Maximalism, Russian Revolution.

Recibido: 7 junio 2016

Aceptado: 9 septiembre 2016

* Brasileiro, doutorado em Programa de Pés-Graduaçào em Historia UFRGS pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, duarte frederico@hotmail.com

Introdujao

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O maximalismo como problema

Desde o primeiro momento em que se iniciou o processo revolucionario na Rússia, os militantes brasileiros receberam suas noticias com um incrível entusiasmo. Existia já nas organizajoes operárias brasileiras uma tradijao de receber e transmitir correspondencia internacional, assim como apoiar movimentos reivindicativos em diversas partes do mundo. Um dos pilares do movimento libertario era seu internacionalismo, desta forma, as lutas travadas pelos trabalhadores de outras najoes eram encaradas como parte do movimento universal de libertajao da humanidade. Isto se torna muito claro com o exemplo da Revolujao Russa1.

A Revolujao Russa foi um grande acontecimento, tanto pelas condijoes em que emergiu, como fruto de um levantamento operário que derrubaria a tirania secular dos czares Romanoff, como pelo momento que a Europa vivia, pois o continente estava no auge da Grande Guerra Mundial que havia se iniciado em 1914. Se nao bastasse todas estas circunstancias, a conjuntura vivida pelos trabalhadores brasileiros também imprimia um caráter especial á interpretajao da Revolujao Russa. A Guerra Mundial que havia degradado as condijoes de vida do proletariado europeu, também havia jogado seu papel em terras brasileiras, com o aumento constante da carestia de vida. Premido pelas duras condijoes económicas, os trabalhadores brasileiros engajaram-se em um longo ciclo de mobilizajoes que iniciou-se em 1917 e só terminaría no inicio da década de 1920, momento que teve na Greve Geral de 1917 em Sao Paulo um dos seus momentos mais

1 A Revolujao Russa, apesar de toda sua importancia, nao foi o único movimento internacional, nem o

primeiro, a despertar o interesse dos militantes brasileiros. Para um outro exemplo, ver SOUSA, Fábio da Silva. Operários e Camponeses. A repercussao da Revolugao Mexicana na Imprensa Operária Brasileira (1910 - 1920). Assis: Faculdade de Ciencias e Letras da UNESP, Assis, 2010 (Dissertajao de Mestrado).

Neste artigo analisarei como se desenvolveu o debate em torno do maximalismo, termo que aparece na imprensa operária brasileira a partir do inicio da Revolujao Russa, em 1917, tendo uma presenja constante nestes mesmos meios de comunicajao até os primeiros anos da década de 1920. O maximalismo seria a tradujao portuguesa do termo bolchevismo; nao acredito, no entanto, que a proliferajao deste termo e o debate em torno dele se esgote no registro de uma tradujao mal concebida. O surgimento do maximalismo permitiu o debate em torno de um novo tipo de Revolujao Social e o desenvolvimento de interpretajoes particulares por parte de militantes anarquistas e sindicalistas revolucionários a partir das informajoes que vinham da Europa. Por esta razao, através do mapeamento dos debates em torno do maximalismo nos principais centros de mobilizajao do país, entre os anos de 1917 e 1919 (que foram os anos de mobilizajao mais intensa do movimento operário na Primeira República), analisarei como as discussoes em torno deste conceito refletiram mudanjas nas concepjoes destes militantes, o que pode ajudar a compreender a formulajao dos projetos que visavam tornar vitoriosa a Revolujao Social no Brasil.

significativos2.

Por esta razao, noticias sobre a Revolujao e sobre os grupos políticos que atuavam na Rússia tornaram-se bastante comuns na imprensa operária, tendo destaque o papel dos "maximalistas". Maximalista seria uma das traduces possíveis para o portugués do termo "bolchevista", maioria em russo, devido a este grupo ter se constituido na fra9ao majoritária do Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) em 1903. Este grupo se tornou a ala mais radical do marxismo russo, contrapondo-se aos mencheviques, a minoria3.

Existem poucas referencias que problematizem o surgimento e a proliferajao das referencias ao maximalismo na imprensa operária daquele momento. Luiz Alberto Moniz Bandeira, em seu "O Ano Vermelho. A Revolugao Russa e seus reflexos no Brasil", ao indicar que o movimento operário estava "sob o signo do maximalismo", aponta para as paixoes despertadas, mas também para as contradijoes e confusoes que marcaram este momento inicial de impacto da Revolujao Russa, como pode ser visto no jornal carioca A Noite, que publicou uma noticia que indicava que os maximalistas eram seguidores do escritor Máximo Gorky4. Certamente foi o caráter a principio contraditório destas apropriajoes, como o entusiasmo de muitos libertários pelo bolchevismo, que tornaram a questao do maximalismo como algo difícil de delimitar. Neste sentido, tais apropriajoes seriam parte do que Ángela de Castro Gomes chamou de um "emaranhado de posigoes", de difícil definijao e que talvez nao tivesse muitas consequéncias políticas a posteriori5.

Mesmo que seja difícil caracterizar as posijoes políticas neste momento de entusiasmo, proponho-me, neste artigo, a estudar brevemente a circulajao de notícias relacionadas ao maximalismo e suas diferentes formas de apropriajao pelos militantes operários no período das grandes greves da Primeira República. Parto da nojao de circulajao das ideias, como elaborada pelo historiador chileno Eduardo Devés Valdes, em vez de simples difusao ou influéncia, porque se afastam da imagem do receptor passivo e toleram melhor questoes relacionadas á recepjao e reelaborajao6. Para esta análise, utilizarei referencias de jornais operários (o principal veículo para a circulajao de ideias dentro do movimento) dos principais centros de militancia do país entre os anos de 1917, quando inicia a Revolujao Russa e o ano de 1919, que marca o auge das mobilizajoes operárias, mas que também já registra a chegada das primeiras críticas aos bolchevistas

2 Para o período que antecedeu ao ciclo de grandes greves, ver: FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. Sao Paulo: DIFEL, 1977. p.157 e BATALHA. Cláudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 48-49.

3 Sobre Revolujao Russa, ver BROUÉ, Pierre. Uniao Soviética. Da revolugao ao colapso. Porto Alegre: Síntese Universitária/Editora da UFRGS. 1996. Para a caracterizajao dos grupos políticos da Rússia e sua história ver: REIS FILHO, Daniel Aarao. Rússia (1917-1921): anos vermelhos. Sao Paulo: Brasiliense, 1983. Capitulo "Revolta contra o czarismo". p. 22-36.

4 MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O ano vermelho. A Revolugao Russa e seus reflexos no Brasil. Sao Paulo: Expressao Popular, 2004.

5 GOMES, Ángela de Castro. A invengao do trabalhismo. Sao Paulo: Vértice. 1988. pp.138-139, 150154.

6 VALDES, Eduardo Devés. El transpaso del pensamiento de América latina á África a través de los intelectuales caribeños, História UNISINOS, Sao Leopoldo, Vol. 4, n. 2, jul./dez. 2000. pp. 190-191.

vindas de pensadores libertários da Europa, o que problematizaria ainda mais a apropriaçâo destas referencias, que passariam a colidir cada vez mais com os principios libertários. No primeiro capitulo, tratarei da circulaçâo das noticias sobre a Revoluçâo Russa e o bolchevismo, no segundo, me aterei com mais cuidado a diferentes formas de apropriaçâo do termo maximalismo feitas pelos militantes brasileiros.

O maximalismo na ordem do dia: a circulaçâo dos temas da Revoluçâo Russa no movimento operário brasileiro

A Rússia e sua grande revoluçâo tornaram-se um espelho das aspiraçôes operárias, por esta razâo as informaçôes que chegavam ao Brasil pelas agências de noticias circulavam intensamente pelos órgáos de imprensa do movimento. Este interesse ficou demonstrado muito cedo e pode ser encontrado em publicaçôes de diversas partes do pais. Assim, no primeiro número do A Semana Social, jornal editado na cidade de Maceió pelo gráfico Antonio Bernardo Canellas, no dia 30 de março de 1917 (ou seja, logo após a Revoluçâo de Fevereiro), já aparece um artigo intitulado "A Revoluçâo Russa: a suas causas e possíveis consequências", em que o autor do texto afirma que o acontecimento só poderia ser analisado sob a "lente do materialismo histórico", explicando que o levantamento tinha suas raizes na Guerra Mundial e na politica expansionista da Alemanha; apesar disto, os social-democratas na Alemanha e seus companheiros em outros paises

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seriam atingidos pelo gérmen da revolta e acabariam com a carnificina .

Outro espaço importante para a divulgaçâo destas noticias era o jornal A Plebe, principal periódico anarquista de Sâo Paulo. No seu primeiro número, saido em 9 de junho de 1917 informava-se sobre o momento emancipador que se vivia na Rússia, em um artigo intitulado "Rumo à Revoluçâo Social"8. Em seu quarto número, o mesmo jornal contava um pouco da história da Revoluçâo Russa em uma seçâo intitulada "Arrebol da liberdade: a grandiosa epopeia russa", saido à 30 de junho de 19179. Neste texto, o articulista explicava a formaçâo dos Soviets a partir da mobilizaçâo de trabalhadores e soldados, organizados por juntas do Partido Social Democrata, e que os novos organismos tinham todo o apoio do povo. Neste artigo, se manifesta a esperança de que esta revoluçâo ajudasse a unir todos os revolucionários sociais do mundo. Neste mesmo momento na cidade do Rio de Janeiro, O Debate, periódico no qual escrevia o lider anarquista Astrogildo Pereira, publicava em 26 de julho de 1917, "O exemplo da Rússia: graves revelaçoes de um soldado", relatando a conversa que um jornalista teria ouvido de um militar, falando que alguns companheiros haviam se negado a atirar no povo durante a greve paulista e que inclusive teriam ajudado a arrancar os trilhos dos trens; obviamente, o artigo acaba se perguntando se teriamos no Brasil um comité de operários e soldados10.

Como pode se perceber por estes poucos exemplos, os temas que chamavam atençâo neste primeiro momento estavam ligados especialmente à continuaçâo da Guerra e

7 A Semana Social. Maceió. p.1. 30, mar, 1917.

8 A Plebe. Sao Paulo. p.1, 9, jun, 1917.

9 A Plebe. Sao Paulo. p.2, 30, jun, 1917.

10 O Debate. Rio de Janeiro. p.7. 26, jul, 1917.

aos atores sociais que estavam mobilizados naquela Revoluçâo, os operários e os soldados (além do fato de seu exemplo poder servir de inspiraçâo para os brasileiros). Além disso, porém, também se destacava o interesse pelas forças políticas que estavam atuando no ámbito revolucionário. Por mais que o cenário fosse confuso, a ponto do A Semana Social chamar o processo russo de saco de gatos11 em um artigo do dia 26 de junho, muito cedo os bolchevistas ou maximalistas chamaram atençâo em meio a outros grupos. No número 4 do A Plebe, saído à 30 de junho, no já citado artigo "O arrebol da liberdade: a grandiosa epopeia russa", aparece explicado de forma detalhada que os responsáveis pela organizaçâo dos Soviets teriam sido as juntas do Partido Social Democrata, que nao haviam apoiado a guerra

Por isso, logo que romperam os tumultos em Petrogrado - tumultos, a principio, de caráter puramente economico - os socialistas russos, amparados pela confiança da classe operaría, tomaram a direçao do movimento revolucionário, que está longe de ter acabado. A Junta Central do Partido Social Democrático lançou um manifesto convidando os operários e os soldados a nomearem delegados a um Conselho, destinado a lutar contra as forças da reaçao e a fiscalizar os atos do Governo Provisorio. Este Conselho, que tomou o lugar da Duma no Palácio Tauride, tem ininterruptamente exercido uma acçao inovadora e revolucionária12.

Isto é bastante surpreendente, principalmente quando contraposto à tese de que havia uma crença geral de que a Revoluçâo Russa era obra de anarquistas. Tanto esta crença nao se sustenta (pelo menos nao de forma generalizada), que no dia 28 de julho, A Plebe no artigo "Algo sobre a Revoluçâo Russa", lamentava-se a inexistência de um movimento anarquista forte no país dos Czares, valendo-se de opiniöes de Deputados

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socialistas, publicados em jornais europeus, para traçar um perfil da Revoluçâo . No dia 18 de agosto, na página 2 do A Plebe, a seçâo "Arrebol da liberdade: ao redor da epopéia russa", traça um rápido perfil de Lênin como líder dos socialistas e de seu apelo contra a continuaçâo da Guerra Mundial14.

O interesse pelo maximalismo ou pelo bolchevismo, no entanto, vai tomar um impulso muito maior a partir de novembro de 1917, quando este grupo político tomar o poder na Rússia, derrubando o Governo Provisorio e proclamando o Soviet de Operários e Soldados como orgâo máximo da República Russa. Antes de novembro de 1917, os orgâos de imprensa do movimento operário noticiavam e debatiam uma revoluçâo com nítido caráter popular, mas cujos grupos que representavam estas forças populares ainda nâo havia tomado o poder. Deste modo, o que mais vai causar impacto neste momento inicial sâo algumas formas novas de açâo, como a formaçâo do Soviet e a participaçâo ativa dos soldados, que podiam ser consideradas novas práticas, incomuns para a tradiçâo de luta do movimento operário brasileiro. Com a Revoluçâo de Outubro, o cenário muda: novas

11 A Semana Social. Maceió. p.3. 26, jun, 1917.

12 A Plebe. Sao Paulo. p.2, 30, jun, 1917.

13 A Plebe. Sao Paulo. p.2-3, 28, jul, 1917.

14 A Plebe. Sao Paulo. p.2, 18, ago, 1917.

questôes vao ser colocadas e o significado do maximalismo será uma delas.

Um dos órgaos de impensa que testemunham este interesse é O Cosmopolita, jornal do Centro Cosmopolita do Rio de Janeiro, sindicato dos empregados em hotéis da Capital Federal. No dia 1° de dezembro este jornal publica o artigo "OsMassimalistas", de autoria de A.G. (provavelmente Antonio Gramsci), traduzido do periódico socialista Il Grido del Popolo, de Turim, pelo jornal portugués Aurora. Neste texto os maximalistas sao mostrados como a própria Revoluçao Russa, pois eles levaram adiante a ideia revolucionária, nao pararam no tempo, nao se institucionalizaram e nao estavam ligados ao passado; eles sao mostrados como socialistas que nao compactuavam com o evolucionismo: "encarnam a ideia limite do socialismo: sao "todo o socialismo". Além disso, no texto afirma-se que eles eram alimentados pelo marxismo15.

Por mais que este texto reflita problemas internos do Partido Socialista Italiano, é interessante observar sua chegada e circulaçao no Brasil, o que é uma prova de que os militantes podiam ter acesso a materiais que estavam sendo produzidos na Europa e a debates que estavam sendo desenvolvidos dentro do movimento operário europeu de uma forma bastante rápida. Também começa a haver um interesse pelos personagens da Revoluçao. No dia 15 de dezembro, o jornal O Cosmopolita trazia uma biografía de Trotsky em "Sobre a Revoluçao Russa"1 e no dia 15 de janeiro de 1918, aparece o texto "Estrangeiro na própria pátria", com uma biografía de Lenin, em que o líder bolchevista é apontado como o líder da social democracia russa e um fervoroso defensor das ideias de Karl Marx17.

Este desejo de informar e esclarecer nao se justificava apenas pelos caminhos abertos pela Revoluçao Russa, como exemplo para o movimento operário do resto do mundo, mas também porque as noticias que difamavam a Rússia e os maximalistas eram um argumento para as forças conservadores que atacavam a açao dos militantes a partir dos jornais de grande circulaçao. Desta forma, se justificavam as palavras do articulista do jornal A Luta, de Porto Alegre, de 28 de março de 1918, na seçâo "Rússia", quando afirmava peremptoriamente que "nós que estudamos as questoes sociais, nao podemos e nao devemos calar; precisamos esclarecer a imprensa fraldiqueira, desmentindo as suas

y y 18

calúnias, esclarecendo os trabalhadores e fazendo justiça aos maximalistas" . Nesta mesma linha segue a Tribuna do Povo, de Recife, quando no dia 1° de junho de 1918 publica o artigo "Esclarecendo", em que procurava rebater as acusaçôes que fez o Diário de Pernambuco, contra o presumido financiamento alemao à Revoluçao de Trotsky e Lenin19. No dia 10 de julho, aparecia o artigo "Os maximalistas e os jornais burgueses" que continuava a rebater a crítica que a grande imprensa fazia à suposta "traiçâo russa", acusaçao feita contra os bolchevistas por terem abandonado a Guerra e firmado o Tratado de Brest Litovisky com a Alemanha. Criticando esta interpretaçao, o periódico mostrava que nao havia nenhum sentido nesta acusaçao, pois a Rússia Revolucionária derrubaria a

15 O Cosmopolita. Rio de Janeiro. p.1. 1° dez, 1917.

16 O Cosmopolita. Rio de Janeiro. p.1-2. 15, dez, 1917.

17 O Cosmopolita. Rio de Janeiro. p.1. 15, jan, 1918.

18 A Luta, Porto Alegre, p.2, 28, mar, 1918.

19 Tribuna do Povo. Recife, p.1. 1°, jun, 1918.

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Alemanha e o restante da Europa capitalista .

Depois de novembro de 1918, quando estoura a Revoluçâo Alemâ, sopra uma nova lufada de esperança nos militantes, pois seria o caminho para o fim da Guerra e a expansâo do maximalismo para o restante da Europa. No dia 20 de novembro, a mesma Tribuna do Povo estampava na primeira página sob o título de "No limiar da nova era", um texto que iniciava com estas comoventes palavras:

Felizes os homens de hoje, pois seus olhos se vâo recrear no mais imponente espetáculo da história: o triunfo da liberdade sobre a tirania. A vitória das ideias socialista-anarquistas, que representam a causa da Liberdade, é coisa de que em boa fé já nâo se pode mais duvidar. Esta guerra, que representava as mais altas esperanças da burguesia está dando resultado inteiramente diferente do que convinha aos interesses dos que a desencadearam. Supunham os burgueses que desta luta colossal entre os principais países do orbe o seu poder saísse prestigiado e consolidadas ficassem suas sagradas instituiçôes. Mas a guerra suscitou tantas e tâo variadas questôes; pôs em jogo tâo variados interesses e criou uma situaçâo tal, que a organizaçâo burguesa terá de abrir falência. E à falência da organizaçâo burguesa sucederá o estabelecimento de uma sociedade socialista, que se iniciará com o mesmo programa do maximalismo russo.

A partir deste ponto, explicava o avanço e vitória das forças "socialistas-anarquistas" em ámbito mundial: "Agora, admitida como está a implantaçâo do bolshevikismo em todos os países, inclusive o Brasil, é necessário esclarecer o que ele é ". O bolshevikismo ou o maximalismo seriam, conforme o jornal, a concepçâo máxima da teoria socialista21. Um exemplo disso, ainda na Tribuna do Povo, é o artigo "A ditadura proletária", em que se procura diferenciar o socialismo burgués, que tratava apenas de manter a democracia e o capitalismo, da ditadura proletária, alcançada a partir do maximalismo: "Para maior esclarecimento da questäo, apresentamos aqui a definiçâo exata dio maximalismo. O MAXIMALISMO É A APIICAÇÂO DO MÁXIMO DAS CONCEPÇOES SOCIALÍSTICAS, POR MEIO DA DITADURA PROLETÁRIA"22.

Durante o ano de 1919, continuaram a circular notícias sobre o maximalismo e sobre o bolchevismo, tentando explicar o comunismo russo e como grupos políticos similares passavam a agir no restante da Europa, em países como a Hungria e a Alemanha. Mais importante ainda é que documentos vindos dos países europeus começaram a chegar com mais intensidade, acrescentando novas cores ao debate. Alguns exemplos desta circulaçâo de informaçôes em diferentes centros podem ser vistos na Tribuna do Povo, do dia 1° de janeiro de 1919, em que foram publicados os sete pontos do "Pacto Fundamental

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da República dos Soviets" ; em O Syndicalista de Porto Alegre, aparece no dia 1° de maio a "Mensagem de Máximo Gorky aos trabalhadores do mundo"24; no A Plebe, de Sâo Paulo, do dia 5 de junho surge um documento intitulado "A República Socialista Federal

20 Tribuna do Povo. Recife, p.2-3. 10, jul, 1918.

21 Tribuna do Povo. Recife, p.1. 20, nov, 1918.

22 Tribuna do Povo. Recife, p.1. 20, dez, 1918.

23 Tribuna do Povo. Recife, p.1. 1°, jan, 1919.

24 O Syndicalista. Porto Alegre, p.4, 1° de maio, 1919.

dos Soviets. Aos soldados de todo mundo " ; no Spartacus do Rio de Janeiro, foi publicado o Manifesto de fundagao da IIIInternacional, no dia 8 de novembro.

Esta circulajao demandava esclarecimento por parte da militancia e foi neste ano de 1919 em que ocorrre uma das tentativas mais sistemáticas de fazer isso em relajao ao maximalismo. Como tentativa de explanajao das ideias que eram consideradas bolchevistas, os militantes Antonio Candeias Duarte e Edgar Leuenroth, que atuavam em Sao Paulo, escreveram "O que é maximismo ou bolchevismo - o programa comunista". Este era um esbojo constitucional inspirado em alguns pontos estabelecidos pelo III Congresso dos Soviets de janeiro de 1918 para uma república comunal, organizada em conselhos e gerida pelos trabalhadores. Nos termos de Moniz Bandeira, em seu livro "O Ano Vermelho": "Era todo um principio de organizagao, em que se entrelagavam ideias libertárias e inovagoes da ditadura do proletariado na Rússia"26.

Com a chegada de mais referencias vindas da Europa, também comejam a aparecer as primeiras criticas e sinais de que nao havia total concordancia entre libertários e bolchevistas em termos de métodos e objetivos. No dia 11 de outubro de 1919, é publicado no Spartacus do Rio de Janeiro "O bolshevismo ante a atitude anarquista", do francés Sebastien Faure, em que o autor afirma nao saber ao certo qual atitude tomar diante dos bolchevistas, dizendo entender o momento da Guerra, mas, se a ditadura se perpetuasse,

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seria contrario a ela . No dia 6 de dezembro, é publicada uma "Carta de Koprotkin",

redigida pelo famoso libertario russo, em que este se opoe a ditadura de uma "fra9ao do

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Partido Social Democrático", comparando-o ao jacobinismo . Surgem também as primeiras criticas de militantes locais, que, se nao eram explicitas, ao menos apontavam para referencias ligadas ao maximalismo. Isto pode ser visto em um texto do militante Friedrich Kniestedt chamado "O que nós comunistas queremos", publicado em O Syndicalista de Porto Alegre em 3 de setembro, em que este defende a formajao de uma sociedade a partir de grupos operários organizados em um comunismo claramente libertário, por oposijao a algo que nao era deixado totalmente claro: "Pretendendo pois a todas as aspiragoes comunistas de outrora , a constituigao de um complicado estado económico, é preciso, até na denominagao que adotamos, constatar nossa opiniao divergente epor isso nos denominar comunistas-anarquistas"29

Todas estas criticas se multiplicariam a partir do ano seguinte, quando o movimento operário passa a sofrer um refluxo pelo aumento da repressao e tornam-se mais comuns as noticias do antagonismo dos bolchevistas aos libertários russos. Se iniciaría, a partir dai, o processo que dividiria os militantes comunistas daqueles de orientajao libertária. O maximalismo deixaria cada vez mais de aparecer com este nome e suas definijoes tornaram-se mais precisas, principalmente com a circulajao de documentos da Internacional Comunista. De qualquer forma, durante este periodo inicial de circulajao das referencias ao maximalismo e ao bolchevismo entre os militantes brasileiros, existia ainda a

25 A Plebe. Sao Paulo, p.2. 5, jul, 1919.

26 MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O ano vermelho. A Revolugao Russa e seus reflexos no Brasil. Sao Paulo: Expressao Popular, 2004. pp. 229-230.

27 Spartacus. Rio de Janeiro, p.1. 11, out, 1919.

28 Spartacus. Rio de Janeiro, p.1. 6, dez, 1919.

29 O Syndicalista. Porto Alegre, p.2, 3, set, 1919.

possibilidade de identificaçao, apropriaçao e reinterpretaçao destes termos, de uma forma muito mais livre do que seria possível posteriormente. Tendo visto que o maximalismo havia surgido no horizonte como grande referéncia revolucionaria, é necessario compreender também o que era ser maximalista neste momento, ou seja, como eram feitas as apropriaçôes deste termo pelos militantes.

O maximalismo reapropriado: o bolchevismo como reelaboraçao de ideias e fator de identificaçao entre os militantes operarios brasileiros

Como foi possível ver no capítulo anterior, notícias que davam conta do que ocorria na Rússia, documentos e explicaçôes sobre o maximalismo circularam abundantemente entre os anos de 1917 e 1919 nos principais centros de militância do país. Porém, como havia colocado no primeiro capítulo deste artigo, a circulaçao das ideias nao é um fenómeno que caracteriza-se somente pela propagaçao de algumas informaçôes, pelo contrario, por mais que houvesse a reproduçao de notícias e documentos, também havia um espaço bastante grande para a reelaboraçao destas ideias, dependendo do lugar em que elas eram veiculadas. Neste espaço de reelaboraçao de uma ideia, também se da a possibilidade de sua apropriaçao de diversas formas, fazendo com que o bolchevismo russo se tornasse uma gama de diversos "maximalismos" locais.

Apesar de circularem notícias bastante fidedignas sobre a orientaçao teórica de Lénin e da posiçao dos bolchevistas como ala esquerda da social-democracia russa, estas informaçôes compartilhavam espaço com outras, que identificavam a Revoluçao Social no país dos czares como produto da tradiçao anarquista ou até de ambas correntes revolucionarias. Durante o ano de 1917, a circulaçao de uma grande variedade de notícias, associada às muitas referéncias vindas da literatura engajada, podem explicar textos como "Abaixo a farsa política: o que o povo deve seguir", publicado na Semana Social, em 27 de outubro, em que o autor afirma que "o socialismo anarquista, ou ao menos, a social democracia, deverá substituir a farsa política que hoje se representa", enquanto faz

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referéncias simultáneas à Karl Marx, Bakunin, Malatesta e Tolstói . No momento em que isso era escrito em Maceió, A Plebe em Sao Paulo, publicava a pequena biografia de Lénin, a que ja fiz referencia anteriormente, mostrando-o como um dos principais líderes da Revoluçao e o militante Joao Baptista Noll, em um comício na cidade de Porto Alegre, em 1° de agosto, afirmava em seu discurso que "O povo da Rússia, dos cossacos, de Tolstoi, Gorki e Kropotkine, depois de uma escravidäo quase infinita, conseguiu por si um regime de liberdade "31.

De qualquer forma, a tendéncia geral entre os periódicos operarios é considerar o maximalismo seria a fraçao mais radical do socialismo. Em alguns casos isto permitia um identificaçao muito forte por parte dos militantes libertarios, pois se relacionava

30 A Semana Social. Maceió. p.1. 27, out, 1917.

31 Esta declaraçao foi dada em um dos maiores comício da greve de 1917, que reuniu mais de cinco mil pessoas na Praça Senador Florencio, atual Praça da Afándega, em Porto Alegre. BODEA, Miguel. A greve geral de 1917 e as origens do trabalhismo gaúcho: ensaio sobre o pré-ensaio de poder de uma elite política dissidente a nível nacional. Porto Alegre: L&PM, 1979. p.36.

diretamente á rivalidade que estes tinham com os socialistas e social-democratas, considerados moderados e colaboradores da burguesia. Na edi9ao de 1° de maio de 1918 do A Luta, de Porto Alegre, aparece um artigo intitulado "O socialismo russo e o socialismo alemao", em que se critica violentamente a social-democracia, identificada como um socialismo "burgués e politiqueiro", que procurava apoiar-se no governo e traía a classe operária. A identifica9ao aqui dirige-se aos militantes que controlavam naquela ocasiao a Federa9ao Operária local e que se contrapunham aos anarquistas. Entende-se, entao, a posi9ao do articulista quando propoe a seguinte rela9ao: "Socialismo alemao, social democracia, socialismo político e de estado: -socialismo burgués. Socialismo russo: maximalismo, anarquismo, sindicalismo: -socialismo operário"32. Este trecho é fundamental para compreender o que estava acontecendo, porque nao só permite observar a auto-identifica9ao com um grupo político cuja notoriedade era muito recente, mas também uma classifica9ao de seus adversários.

Da mesma forma que esta identifica9ao podia ser feita contra determinado grupo político, também podia se realizar uma rela9ao complementar a outras correntes, também consideradas radicais. No dia 29 de novembro de 1919, aparece no Spartacus o artigo "Defmiqoes: bolchevismo, anarquismo, sindicalismo", um artigo que tentava explicar as diferen9as entre estes grupos como uma divisao de trabalho na Revolu9ao Social: o anarquismo alimentaria a ideia, o que se adequaria á educa9ao da classe operária; o sindicalismo seria um tipo de organiza9ao económica e o bolchevismo uma forma de a9ao para alcan9ar o poder:

O anarquismo é a base, uma fun9ao doutrinária, educadora e filosófica, atuando nos espíritos e nas consciencias, quase como foros de religiao. É um evangelho, um sacerdócio, e nao tem nada com a organiza9ao sindical, nem com os interesses económicos das classes. O sindicalismo é a organiza9ao prática, é o regime económico e administrativo das coisas na sociedade comunista.

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Bolchevismo, maximalismo, espartacismo, significam a9ao, prepara9ao, organiza9ao revolucionária para a destrui9ao violenta da sociedade burguesa e institui9ao de um poder proletariano, - a ditadura operária. Sovietismo é a organiza9ao económica desta fase transitória do governo dos proletários.

O fim do anarquismo é educar, é formar mentalidades sas, caracteres nobres e elevados que hao de amanha constituir a sociedade nova. O fim do sindicalismo é organizar o trabalho, os sindicatos, as profissSes fora da a9ao patronal, é garantir a produ9ao para que nada falta na sociedade comunista-anarquista. O fim do bolchevismo e do sovietismo é arrancar o poder á burguesia, é destruir as raízes da grande árvore secular; é desbravar o caminho ao sindicalismo e á anarquia; é, em resumo, fazer precipitar a revolu9ao social. O sindicalismo é o trabalho, o labór, a riqueza material: é o pao. O anarquismo é a evangeliza9ao do bem, do amor e da virtude: é a paz. Bolchevismo, maximalismo significam a9ao revolucionária para a conquista daqueles alvos. Bolchevismo é a guerra - ai de nós inevitável - para se chegar á paz. Porque, de duas uma: ou evolu9ao de colabora9ao com a burguesia, ou revolu9ao armada do povo contra a burguesia33.

32 A Luta, Porto Alegre, p.2, 1°, mai,1918.

33 Spartacus. Rio de Janeiro, p.1. 29, nov, 1919.

No fundo, estes seriam rótulos para um mesmo tipo de açâo, o que é surpreendente, pois acabava com os conflitos no campo das ideias para pensar um mesmo tipo "híbrido" da forma de açâo política no mundo operário.

Estas reapropriaçôes eram possíveis pelo momento mesmo em que os militantes viviam, onde o "ser comunista" nao era algo bem definido, permitindo que anarquistas e sindicalistas revolucionários aderissem à proposta sem necessariamente ter de abandonar sua orientaçâo. Esta possibilidade se encontrava justificada por interpretaçôes como "O Significado histórico do maximalismo", texto publicado na ediçâo de 26 de abril de 1919, no A Plebe, a partir de uma conferéncia do filósofo argentino Jose Ingenieros, em que este tentava explicar a forma de difusâo da nova doutrina ao redor do mundo: "Nâo haverá um maximalismo uniforme e universal, mas tantos quantos säo os núcleos sociológicos que recebem o benéfico influxo da presente revoluçâo social"34. Com isto, nâo quero dizer que este fosse um fenómeno comum a todos os militantes, havendo aqueles (principalmente os militantes libertários mais experientes), que tinham consciéncia do limite desta adesâo ao maximalismo. Isto mostra, porém, que a possibilidade de uma fusâo entre as correntes do movimento operário aparecia como uma possibilidade naquele momento.

De qualquer modo, esta adesâo abriu caminho para a constituiçâo de grupos maximalistas ou que definiam-se por algum tipo de identificaçâo com esta proposta. Um dos primeiros exemplos deste fenómeno pode ser observado nas eleiçôes sindicais do Centro Cosmopolita do Rio de Janeiro. No dia 20 de julho, no artigo "Os massimalistas", publicado no "O Cosmopolita", um membro do grupo vencedor das eleiçôes definiu sua chapa como "massimalista" e nao porque os trabalhadores em hotéis fariam uma revoluçao, mas porque queriam o máximo de conquistas sociais e desejavam fazer uma obra renovadora:

Nao se trata de começar uma Revoluçao Russa fomentada por trabalhadores em hotéis. O nosso intuito foi de definir dois grupos que disputam a vitória eleitoral. E como nós temos a certeza que trabalhamos pelo máximo das conquistas da classe, apropriamo-nos da espressao "massimalista", que sustentaremos apesar da grita dos vencidos, que tanto interesse tem demonstrado em comprometer-nos com as autoridades. Somos "massimalistas" porque queremos sustentar o que está feito e fazer obra renovadora35.

Um outro exemplo de identificaçâo de um grupo de militantes operários com a Revoluçâo Russa deu-se na cidade de Porto Alegre, em novembro de 1918, a partir da açâo do militante Abílio de Nequete, que era um imigrante libanês que havia tido uma forte atuaçâo entre os operários da capital gaúcha, participando da Liga de Defesa Popular na grande greve de 1917. Após este episodio ele continuou ativo, atuando junto com os militantes libertários na Uniâo Operária Internacional, escrevendo alguns artigos em seu jornal, A Luta. Em novembro de 1918, Nequete e outros militantes resolvem fundar a Uniâo Maximalista de Porto Alegre, lançando o manifesto "Do canhâo à peste: até que os

34 A Plebe. Sao Paulo, p.4. 26, abr, 1919.

35 O Cosmopolita. Río de Janeiro. p.2. 20, jul, 1918.

operários tenham consciência de sí próprios". O manifesto näo trazia nenhuma novidade em termos de orientaçâo política, mas direcionava suas críticas para as péssimas condiçôes de vida do operariado e para aqueles militantes que traíam sua classe empenhando seu apoio à burguesia36.

A Uniäo Maximalista continuou lançando manifestos durante o ano de 1919, além disso seu líder teve forte atuaçâo nas greves daquele ano. De qualquer forma, as circunstâncias específicas que envolviam a fundaçâo da Uniäo Maximalista se tornam mais claras a partir de uma carta enviada à Internacional Comunista por Abílio de Nequete alguns anos depois:

Em Porto Alegre, capital do estado do Rio Grande do Sul, em novembro de 1918, um grupo de três companheiros tomou a si o encargo de lançar um manifesto aos trabalhadores, dando causa da pandemia, entäo chamada espanhola, a organizaçâo ultra criminosa do capitalismo, e incitava a massa a que se apoderassem de tudo, porque tudo era criado ao seu esforço. Este manifesto levava em seu cabeço o seguinte:

MANIFESTO DA UNIÄO MAXIMALISTA AOS TRABALHADORES. E desde entäo o referido grupo considerou-se uma entidade revolucionária que, embora falhas em conhecimentos teóricos, apoiava em todos os momentos os feitos da gloriosa revoluçâo russa. Uma das causas principais do grupo usar o nome UNIÄO MAXIMALISTA, foi a hostilidade que já começavam a desenvolver os anarquistas da UNIÄO OPERÁRIA INTERNACIONAL, a qual pertenciam os três membros fundadores da UNIÄO MAXIMALISTA.37

Mesmo que seja necessário matizar esta hostilidade dos libertários da Uniao Operária Internacional em relaçao à Revoluçâo Russa, é interessante ver como o maximalismo tornava-se uma referencia de radicalidade para a qual os militantes podiam voltar-se quando da formaçao de uma nova associaçao operária. Neste sentido, assim como na eleiçao do Centro Cosmopolita, observa-se que dizer-se maximalista traduzia-se em uma adesao à uma luta mais resoluta e radical, que no caso da Uniao Maximalista definia-se através do apoio explicito à causa revolucionária representada pela Revoluçao Russa.

É bom lembrar que o termo "maximalista" e "bolchevista" conviveu, neste mesmo periodo, com o termo comunista, tendo este um significado mais ambiguo e mais polissêmico, já que era também reivindicado pelos libertários (anarco-comunismo). De qualquer forma, na fundaçao de um primeiro Partido Comunista do Brasil, efetuada por militantes libertários do Rio de Janeiro, referencias que apontam para o maximalismo propriamente dito aparecem ao lado das influências libertárias. Este partido, cujo programa apareceu (entre outros lugares) em O Syndicalista de Porto Alegre, do dia 17 de junho de 1919, afirmava que:

36 Sobre este militante e a formaçao da Uniao Maximalista, ver BARTZ, Frederico Duarte. Abilio de Nequete (1888-1960): os múltiplos caminhos de uma militância operária, História Social, Campinas, no 14/15, 2008. p.157-173.

37 Carta de Abílio de Nequete ao Comité Executivo da Internacional Comunista. Montevidéu, 1° de fevereiro de 1921. Esta carta encontra-se no RGASPI - Rossiiskii Gosudarstvennii Arkhiv Sotsialnoi i Politicheskoi Issledovanii (Arquivo do Estado Russo de História Social e Politica).

A açao do Partido consiste na propaganda sistematica, por todo o país, do socialismo integral ou comunismo e na arregimentaçao e educaçao do proletariado em geral para

a conquista dos poderes públicos- único meio pelo qual podera realizar seu programa (•••).

Fiel aos princípios da Internacional, o Partido Comunista do Brasil mantera relaçôes com todos os seus afíns do exterior, com os quais sera solidario38.

Mesmo que aqui nao tenha sido utilizada a palavra maximalismo, percebe-se uma influéncia do bolchevismo russo, ao menos na ideia de filiar-se à Internacional Comunista e à conquista dos poderes públicos, reivindicaçao bastante distanciada da tradiçao libertaria no Brasil, que se centrava no combate ao poder do Estado. Tanto esta afirmaçao contido neste programa partidario, quanto às apropriaçôes anteriores do maximalismo, apontam para algo comum: a Revoluçao Russa surgía como referéncia de radicalidade, para onde os militantes podiam se voltar neste período das grandes mobilizaçôes. Se este exemplo, consubstanciado no termo "maximalismo", nao provocou uma profunda mudança ideológica entre os militantes, forneceu uma série de elementos que se combinaram com o arcabouço anarquista e sindicalista que orientava a açao dos militantes naquele momento. Neste caso, o maximalismo poderia aparecer como elemento político, como norteador da açao revolucionaria ou como orientaçao para a conquista dos poderes públicos, questôes que marcaram de forma profunda aquele período de grande agitaçao social.

Conclusao

Meu objetivo, neste artigo, nao foi tirar conclusôes definitivas sobre a emergéncia do termo maximalismo, nem as formas como este foi apropriado pelo movimento operario brasileiro durante o período das grandes mobilizaçôes operarías da Primeira República. O que desejei aqui foi mostrar como circularam uma série de referéncias que interferiram nas concepçôes dos militantes, principalmente em relaçao ao que eles acreditavam ser o caminho da Revoluçao Social. Desta forma, inspirar-se no maximalismo nao significou apenas a adesao a um modismo ou um equívoco dos libertarios, mas significava ter como horizonte a radicalidade do exemplo da Revoluçao Russa, em um momento que o movimento operario brasileiro também vivia um momento de radicalizaçao.

Fontes Jornais:

A Semana Social. Maceió. 1917. A Plebe. Sao Paulo. 1917,1919. O Debate. Rio de Janeiro. 1917. O Cosmopolita. Rio de Janeiro. 1917-1918.

38 O Syndicalista. Porto Alegre. p.1. 17, jun, 1919.

A Luía, Porto Alegre. 1918. A Tribuna do Povo. Recife. 1918-1919. Spartacus. Rio de Janeiro. 1919.

Outras Fontes:

Carta de Abílio de Nequeíe ao Comité Montevidéu, 1° de fevereiro de 1921.

Executivo da Internacional Comunista.

Bibliografía:

BARTZ, Frederico Duarte. Abilio de Nequete (1888-1960): os múltiplos caminhos de uma militância operária, História Social, Campinas, no 14/15, 2008.

BATALHA. Cláudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

BODEA, Miguel. A greve geral de 1917 e as origens do trabalhismo gaúcho: ensaio sobre o pré-ensaio de poder de uma elite política dissidente a nível nacional. Porto Alegre: L&PM, 1979.

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