Научная статья на тему 'A HISTóRIA ESQUECIDA DO TROTSKISMO NA REVOLUçãO ESPANHOLA: O POUM E OS “BOLCHEVIQUE-LENINISTAS”'

A HISTóRIA ESQUECIDA DO TROTSKISMO NA REVOLUçãO ESPANHOLA: O POUM E OS “BOLCHEVIQUE-LENINISTAS” Текст научной статьи по специальности «История и археология»

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REVOLUçãO ESPANHOLA / GUERRA CIVIL ESPANHOLA / POUM / LEON TROTSKI / QUARTA INTERNACIONAL / TROTSKISMO

Аннотация научной статьи по истории и археологии, автор научной работы — Monteiro Marcio Lauria

O presente artigo aborda a história do trotskismo na Revolução Espanhola. Ele visa esclarecer a real relação do POUM com essa corrente política -buscando desfazer a frequente e errônea associação entre ambose detalhar a atuação prática e as análises e elaborações políticas de Leon Trotski e de seus aliados na Espanha à época. Esse esforço de resgate histórico utiliza principalmente fontes secundárias -obras de análise histórica pouco conhecidas do público geral e, em menor medida, algumas fontes primáriasem especial escritos de Trotski acerca do assunto).

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Текст научной работы на тему «A HISTóRIA ESQUECIDA DO TROTSKISMO NA REVOLUçãO ESPANHOLA: O POUM E OS “BOLCHEVIQUE-LENINISTAS”»

A historia esquecida do trotskismo na Revolujao Espanhola: o POUM e os "bolchevique-leninistas"

The forgotten history of Trotskyism in the Spanish Revolution: the POUM

and the "Bolshevik-Leninists"

Marcio Lauria Monteiro* Resumo

O presente artigo aborda a historia do trotskismo na Revoluto Espanhola. Ele visa esclarecer a real relajao do POUM com essa corrente política -buscando desfazer a frequente e errónea associajao entre ambos- e detalhar a atuajao prática e as análises e elaborares políticas de Leon Trotski e de seus aliados na Espanha a época. Esse esforjo de resgate histórico utiliza principalmente fontes secundárias -obras de análise histórica pouco conhecidas do público geral - e, em menor medida, algumas fontes primárias- em especial escritos de Trotski acerca do assunto).

Palavras-chave: Revolujao Espanhola; Guerra Civil Espanhola; POUM; Leon Trotski; Quarta Internacional; Trotskismo.

Abstract

This article deals with the history of Trotskyism in the Spanish Revolution. It aims at clarifying the actual relationship of the POUM with this political current -by attempting to deconstruct the frequent and erroneous association of the two - and at detailing the practical activity and the political analyses of Leon Trotsky and his allies in Spain at the time. This effort of a historical rescue is based upon mainly in secondary sources -works of historical analysis that are little known of the general public- and, in a smaller portion, also on some primary sources - especially Trotsky's writings on the subject.

Keywords: Spanish Revolution; Spanish Civil War; POUM; Leon Trotsky; Fourth International; Trotskyism.

Recibido: 16 agosto 2016 Aceptado: 22 noviembre 2016

* Brasileiro, Mestre em Historia pela Universidade Federal Fluminense e Pós-graduando em Historia dos Movimentos Sociais e Revolugoes (especializado) pela Universidade Estadual de Maringá. Uma versao preliminar do presente artigo foi publicada no blog Junho, em 29 de julho de 2016 (disponível em http://tinyurl.co m/hkzwj4t). Agradego á Profa. Dra. Raquel Varela pela leitura atenciosa da versao original e pelas sugestoes de melhorias, á Morgana Romao pela revisao e ao parecerista de Izquierdas pelas indicagoes bibliográficas adicionais. Ressalto que qualquer erro ou falha sao de minha inteira responsabilidade. Para contato, críticas e sugestoes: [email protected] e https ://uff. academia. edu/MarcioLauriaMonteiro.

Para compreender a tragédia de 26 de janeiro de 1939, teremos de recordar a de 3-6 de maio de 1937. Entre essas duas datas há uma relaçao lógica. Quando se esmagou a revoluçao, esmagou-se a guerra anti-fascista

M. Casanova (Mieczyslaw Bortenstein), voluntário que combateu na Espanha entre 1936-39 e dirigente bolchevique-leninista.

2

Em julho de 2016 completaram-se 80 anos do come^ do golpe de Estado encabe9ado pelo general Francisco Franco y Bahamonde contra o governo republicano da Frente Popular (no dia 17, ainda no Marrocos) e do levante revolucionário que os trabalhadores do Estado Espanhol realizaram em resposta ao mesmo (a partir do dia 19). Nessas oito décadas, muito já se escreveu sobre a revoluto e a guerra civil que duraram de julho de 1936 a 1° de abril de 1939. Ainda assim, com frequencia é reproduzida a caracterizado equivocada do "Partido Operário de Unificado Marxista" (POUM) como sendo uma organizado "trotskista" (ou de "inspirado trotskista"), ao passo que continua relegada ao esquecimento a atua9ao daqueles - poucos, é verdade - efetivamente ligados ao agrupamento internacional entao encabe9ado por Leon Trotski, a "Liga Comunista Internacional" (sucessora da "Oposi9ao de Esquerda Internacional" e predecessora da Quarta Internacional).

Compreender a exata rela9ao do POUM com o trotskismo, bem como resgatar as análises e a atua9ao daqueles que efetivamente se reivindicavam como tal, nao só permite desfazer confusoes que perduram, mas também trazer á tona aspectos da história dessa revolu9ao que sao convenientemente apagados pela narrativa que apresenta a Frente Popular e seus componentes como resolutos heróis antifascistas, derrotados pela "covardia" das na9oes "democráticas" (especialmente Fran9a e Inglaterra) em nao intervirem a favor da República. Aspectos esses que revelam uma história muito diferente e permitem explicar de forma mais refinada o(s) porque(s) dessa trágica derrota. É essa a inten9ao do presente texto, que se baseia largamente nos trabalhos dos historiadores Pierre Broué e Augustín Guillamón sobre o assunto, bem como em materiais escritos por Trotski e, em menor medida, em outras fontes primárias e secundárias.

As origens do POUM, sua rela^ao com o trotskismo e sua atua^ao

na revoluto

A atua9ao do POUM ao longo de 1936-39 se tornou bastante conhecida em grande parte gra9as ás memórias do escritor George Orwell (Homenagem a Catalunha, 1938), que integrou uma milicia do partido na Catalunha e, mais recentemente, também ao filme de Ken Loach e Jim Allen, Terra e Liberdade (1995 - que foi em grande parte inspirado em tais memórias). Nessas obras, assim como na produ9ao historiográfica, tal partido é com frequencia considerado a "ala esquerda" da Frente Popular - a frente eleitoral formada em

junho de 1935 entre o socialdemocrata "Partido Socialista Operário Espanhol" (PSOE), o stalinista "Partido Comunista da Espanha" (PCE) e outras organizaçôes, incluindo grupos "republicanos" nao socialistas e de caráter de classe burgués. Consequentemente, o POUM também é com frequéncia apresentado como a "ala esquerda" da Revoluçao Espanhola. E papel semelhante costuma ser atribuido aos anarcossindicalistas da "Federaçao Anarquista Ibérica" (FAI), que hegemonizavam a "Confederaçao Nacional do Trabalho" (CNT), entao a maior central operária da Espanha - os quais também vieram a participar da Frente Popular e de seu governo nacional, ocupando inclusive minsitérios.

O POUM de fato possuia uma posiçao bastante critica ao PSOE e ao PCE (bem como à sua sucursal catala, o "Partido Socialista Unificado da Catalunha", PSUC) - as forças que hegemonizavam a Frente Popular, especialmente a partir do golpe militar franquista. Quando teve inicio a guerra civil, o partido se posicionou contra a estratégia nacional-reformista do stalinismo e da socialdemocracia de lutar primeiro pela República e deixar a revoluçao socialista para um futuro incerto - estratégia determinada pelo apego do PSOE à ordem capitalista e pela submissao do PCE/PSUC aos interesses sociais da burocracia soviética, de "coexisténcia pacífica" com o imperialismo.

Nesse sentido, o POUM defendeu publicamente as expropriaçôes de terras e ocupaçôes de fábricas que ocorreram ainda nos primeiros momentos da insurreiçao contra o golpe, encarando que era necessário derrotar o conjunto da burguesia para impedi-lo. Foi também um defensor dos vários comités (juntas) que se alastraram como forma de organizar a resisténcia nas fábricas, bairros, no campo e nos fronts, apontando que eles deveriam se unificar em um poder proletário revolucionário.1

Ademais, sua origem remete ao trotskismo, uma vez que foi fundado em setembro de 1935 como fruto da fusao entre a "Esquerda Comunista da Espanha" (ICE) e o "Bloco Operário e Camponés" (BOC). Enquanto o BOC, liderado por Joaquín Maurin, havia sido formado a partir da fusao entre diversas dissidéncias do PC espanhol e integrava a "Oposiçao à Internacional Comunista" (também conhecida como "oposiçao de direita" ou "bukharinista"), a ICE havia surgido em 1930 enquanto seçao da Espanha da "Oposiçao de Esquerda Internacional", liderada por Leon Trotski (à época de sua fundaçao, possuia o nome de "Oposiçao Comunista da Espanha").

Todavia, a fusao da ICE com o grupo de Maurin, em 1935, foi a culminaçao de uma batalha interna que havia começado no ano anterior, tendo resultado em sua separaçao da Oposiçao - à altura renomeada "Liga Comunista Internacional" e em campanha pela fundaçao da Quarta Internacional. Essa divergéncia girou em torno da aplicaçao ou nao da tática de "entrismo" no PSOE, entao preconizada pela Liga como forma de disputar setores da socialdemocracia que estavam se radicalizando e se afastando do reformismo.

Nao obstante os chamados da parte da juventude do PSOE ("Juventudes Socialistas da Espanha") para que os trotskistas adentrassem o partido e o "bolchevizassem", essa

1 Victor Alba & Stephen Schwartz, Spanish Marxism versus Soviet Communism. A History of the P. O. U.M. in the Spanish Civil War [1988], New Bunswick and London, Transaction Publishers, 2009, ediçao digital de 2016, p. 106-11.

política de entrismo encontrou forte resistencia entre os trotskistas nao só na Espanha, mas em várias outras segoes da Liga. Andreu Nin, dirigente da organizagao e antigo secretário de Leon Trotski (nos anos 1920) foi um dos que se opuseram firmemente a ela, defendendo, ao invés, a integragao da ICE ao BOC. Por conta de sua postura, foi duramente 4

criticado por Trotski, especialmente por ocupar um cargo de responsabilidade no órgao dirigente da Liga, seu Secretariado Internacional. A defesa de uma integragao ao BOC também foi fortemente motivada pela sua oposigao ao chamado por uma Quarta Internacional, langado pela Oposigao de Esquerda Internacional a partir de 1933.2

Apenas um setor muito minoritário da ICE defendeu essa política dentro do grupo, argumentando que o entrismo no PSOE possibilitaria ganhar amplos setores da sua juventude, uma vez que até mesmo seu entao dirigente, Santiago Carillo, era favorável á aproximagao com os trotskistas, e que estas se encontravam em plena efervescencia após a Revolugao das Astúrias (1934). Entre os defensores de tal política se encontrava "Grandizo Munis" (pseudónimo do mexicano Manuel Fernández-Grandizo Martínez), um dos fundadores da ICE e um nome hoje muito apagado na historia do trotskismo. Após uma batalha interna, um punhado de militantes organizados em torno de Munis e de "L. Fersen" (pseudónimo de Enrique Fernández Sendón) deixou o grupo em julho de 1935, através de uma curta carta de ruptura assinada por oito nomes. Assim se consumou também a ruptura da Liga com a ICE.3

Mas a questao do entrismo no PSOE nao era a única divergencia entre a ICE e a diregao da Liga, uma vez que há nas correspondencias entre Trotski e Nin prévias á ruptura uma série de outras divergencias importantes, que se acumulavam desde ao menos 1931 e se expressaram em amargas disputas no interior do grupo da Espanha e também entre sua diregao e a da entao Oposigao de Esquerda Internacional. Uma querela em particular sobressaiu: quando Nin hesitou em condenar o dirigente francés Alfred Rosmer após ele ter rompido com a segao francesa da Oposigao e tentado criar uma fragao em torno de si no interior dela. Outra divergencia importante era em relagao a sua vontade em estabelecer relagoes com grupos que a Oposigao encarava serem "centristas", como a francesa Gauche Révolutionnaire de la SFIO. Nao á toa, logo após sua fundagao, o POUM aderiu ao

2 Andy Durgan, "The Spanish Trotskyists and the Foundation of the POUM", Revolutionary History, 4:1-2, versao digital, [s.p.], disponível em https://www.marxists.org/history/etol/document/poum/index.htm, acessado em junho de 2016; Robert J. Alexander, International Trotskyism, 1929-1985: a documented analysis of the movement, Durham, Duke University Press, 1991, p. 685-86 e 691-94.

3 Luis González, El trotskismo en España. Las organizaciones trotskistas en el Estado español desde 1930 a la actualidad, Madrid, POSI, 2006, p. 43-53. (É necessário apontar que Gonzáles claramente plagiou um texto de Pierre Broué em seu capítulo "La sección bolchevique-leninista de España", por vezes até reproduzindo frases inteiras do original, sem sequer incluir tal texto nas referencias de sua obra. Nao obstante, é uma obra que apresenta uma síntese valiosa da história do trotskismo na Espanha, mas que deve ser utilizada com cuidado pela possibilidade de conter outros plágios além do detectado. Para a referencia ao texto de Broué em

questao, ver nota 6). Agustín Guillamón, "Introducción Histórica", in_ (dir.), Documentación

histórica del trosquismo español (1936-1948). De la guerra civil a la ruptura con la IVInternacional [1996], Valencia, Alexandria Proletaria, 2004, p. 15-16. Carta de Fersen y otros camaradas al Comité Ejecutivo de la ICE [1935], in Agustín Guillamón (dir.), Op. cit., p. 36.

chamado Biró de Londres, ou "Centro Marxista Revolucionário Internacional" - um agrupamento internacional composto por grupos como os alemaes SAP e KPO e a francesa Gauche Révolutionnaire, o qual Trotski caracterizava igualmente como "centrista".4

Nao bastassem as diferen9as sobre como construir um partido revolucionário na Espanha e internacionalmente, o afastamento dos antigos militantes da ICE em rela9ao a Trotski e á Liga Comunista Internacional se aprofundou ainda mais em janeiro de 1936, quando o POUM assinou o manifesto eleitoral da Frente Popular, encabe9ada pelo PSOE e pelo PCE. O combate á Frente Popular, que foi a nova roupagem assumida pela linha de colabora9ao de classes do stalinismo - momentaneamente suspensa pela linha sectária de "classe contra classe", que vigorou de 1928-33 e segundo a qual fascismo e socialdemocracia eram duas faces de uma mesma moeda - era um dos pilares do bolchevismo-leninismo desde os tempos da Oposi9ao de Esquerda russa. Dessa forma, Trotski condenou duramente a postura de seus antigos aliados, classificando-a publicamente como uma "trai9ao"5.

Com a cria9ao do POUM, basicamente deixou de existir uma organiza9ao trotskista na Espanha, tendo "Munis" retornado para o México para visitar sua familia e os demais que deixaram a ICE adentrado o PSOE sob a lideran9a de "Fersen" para aplicarem a linha entrista. O italiano Nicola di Bartolomeo, atuando com o pseudónimo "Fosco", foi entao enviado para o país em maio de 1936 para tentar reorganizar uma se9ao da Liga a partir de Barcelona, junto a sua esposa Victoria Gervasini (pseudónimo "Sonia").

Conforme aponta o historiador Pierre Broué, dada a inexistencia de um grupo sólido quando da eclosao da revolu9ao em julho de 1936, Trotski e o Secretariado Internacional da Liga resolveram tentar uma aproxima9ao com o POUM, sob a perspectiva de que o novo momento exigia deixar as velhas diferen9as para trás e lutar pela forma9ao de um partido revolucionário - sem, no entanto, abrirem mao de suas críticas ao que consideravam a linha centrista do partido. Nesse sentido, assim que se encerrou a Conferencia Internacional da Liga (na realidade, uma primeira tentativa fracassada de fundar a Quarta Internacional), que ocorria em Bruxelas quando a revolu9ao come9ou, uma delega9ao foi enviada á Barcelona sob a dire9ao do francés Jean Rous e de seu secretário, o poeta surrealista Benjamin Péret.

Os primeiros contatos com o POUM, em agosto, foram bem sucedidos, apesar da inten9ao inicial de adentrar o partido como fra9ao ter sido impossibilitada pela negativa da sua dire9ao. Nao obstante, Fosco foi encarregado de organizar, junto ao bolchevique-leninista francés Robert de Fauconnet, a coluna de voluntários internacionais da milicia do POUM, a primeira do tipo a ser formada na Guerra Civil, e que foi batizada "Coluna Internacional Lenin". O Hotel Falcón lhes foi entregue pelo partido para ser seu quartel-

4 Pelai Pagès, El movimiento trotskista en España, 1930-1935: La izquierda comunista de España y las disidencias comunistas durante la Segunda República, Barcelona, Península, 1977. Leon Trotsky, "Two Articles on Centrism", Class Struggle, 4:8, agosto de 1934, [s.p.]. Disponível em https://www.marxists.org/archive/trotsky/1934/02/centrism.htm. Acessado em junho de 2016. Robert J. Alexander, Op. cit., p. 260-61.

5 Leon Trotski, "A traiçâo do 'Partido Operário da Unificaçâo Marxista' espanhol" [1936], in__, A

Revoluçâo Espanhola - compilaçâo, Sâo Paulo, Iskra, 2014, p. 158-60.

general. Ainda em agosto, a Coluna partiu para a frente de Huesca, onde Fauconnet foi morto em combate, no comego do mes seguinte. Na retaguarda, "Sonia" foi encarregada de operar a rádio do partido em Barcelona e de traduzir seus boletins para outras línguas, com o auxilio de outros trotskistas. O próprio Trotski foi convidado por Nin a escrever 6

regularmente para o periódico nacional do POUM (o que aceitou de bom grado) e também a se mudar para Barcelona (convite que nao pode se concretizar por impedimento do governo).

Entretanto, ressalta Broué, muitos trotsksitas recém-chegados do estrangeiro agiam de maneira arrogante ante a militancia do POUM, constantemente denunciando sua "traigao" de ter apoiado a Frente Popular, o que paulatinamente azedou as relagoes. A isso se somou ainda a constante pressao exercida por enviados de outros partidos do Biro de Londres para que o POUM se afastasse dos bolchevique-leninistas. Exemplo das crescentes tensoes entre estes e a diregao do POUM, o partido nao permitiu que a bandeira da Quarta Internacional (entao o círculo vermelho cruzado por um raio em formato de quatro) fosse desfraldada no enterro de Fauconnet.6

Ademais, as perspectivas de avangar para a construgao de um partido revolucionário com base no POUM foram definitivamente frustradas pelo comprometimento cada vez maior do partido com a política da Frente Popular. A fusao do BOC e da ICE fizeram do POUM um partido bastante dividido, o que se refletia em sua política. Broué exemplificou essa divisao apontando seus dois extremos. Na segao regional de Madrid, onde predominavam antigos membros da ICE, cooperava-se ativamente com os trotskistas e um enorme retrato de Trotski figurava em sua sede. Em sua publicagao local, criticava-se duramente o caráter burgues do governo republicano e se defendia a necessidade de avangar a revolugao através da construgao de conselhos proletários revolucionários, além de se criticar o caráter contrarrevolucionário do stalinismo e defender uma perspectiva internacionalista. Ademais, era possível encontrar pelos muros da cidade o entao símbolo da Quarta Internacional.

Já na segao regional do Levante, dominada por antigos membros do BOC, se declarava apoio irrestrito ao governo republicano, tratava-se jocosamente os acusados nos Processos de Moscou, entao em curso, e se condenava internamente o "radicalismo" da regional madrilenha. E, ainda que Nin tenha ascendido á diregao do partido após a prisao de Maurín (que se encontrava em uma cidade onde o levante franquista triunfou rapidamente) ele era visto com desconfianga pelos antigos quadros do BOC, maioria no POUM, e que constantemente o pressionavam para a direita no Comite Central.7

6 Referencias para este e os tres parágrafos anteriores: Pierre Broué, "Trotski e a guerra civil espanhola" [1975], in Leon Trotski, A Revolugao Espanhola - compilagao, Sao Paulo, Iskra, 2014, p. 341-43 (há também uma versao em castelhano: Pierre Broué, "Trotsky y la guerra civil en España" [1975], in La revolución española, vol. 2, Barcelona, Fontanella, 1977, disponível em

https://www.marxists.org/espanol/broue/1975/trotsky y la guerra civil en esp.htm, acessado em dezembro de 2016). Frank Mintz y Miguel Peciña, Los Amigos de Durruti, los trotsquistas y los sucesos de mayo, Madrid, Campo Abierto, 1978, p. 39-41.

7 Referencia para este e o parágrafo anterior: Pierre Broué, Op. cit., p. 344-47.

Fruto dessa heterogeneidade, que pendia para a antiga ala "bloquista", e do receio comum ao conjunto dos membros do partido em nao se "isolarem" do resto da esquerda, em particular da CNT/FAI, o POUM acabou por integrar o governo local catalao (a Generalitat) em outubro de 1936, tendo Nin assumido o cargo de Ministro da Justiça - sob protestos da regional madrilenha, que quase rompeu com o partido. A Generalitat foi reorganizada como forma da Frente Popular reassumir o controle da regiao, que desde julho na prática se encontrava nas maos do dos vários comités locais de autogestao e em especial do "Comité Central das Milicias Antifascistas" (ainda que esse órgao fosse formalmente submetido ao governo local), criado para unificar as milicias surgidas em julho. Também em outubro, Largo Caballero (PSOE), Presidente do Conselho de Ministros, promulgou um decreto de "militarizaçao" das milicias, visando a formaçao de um exército nacional unificado. Travava-se de um esforço generalizado de reconstruir o Estado burgués, deixado em frangalhos pela insurreiçao de julho e pela deserçao nas tropas, que passaram para o lado de Franco.

O governo central e os enviados de Moscou, que passaram a chegar à Espanha em grandes levas a partir de novembro, viam os comités e as milicias autónomas como um empecilho para sua aliança com a burguesia liberal e para o tao almejado apoio da França e da Inglaterra, cujos governos viam a Frente Popular com enorme desconfiança, enxergando na Espanha o "perigo vermelho" da revoluçâo. Dessa forma, sob crescente pressao moscovita, a dualidade de poderes criada a partir de julho foi sendo paulatinamente destruida por dentro, pela pressao do PSOE e PCE e pela capitulaçao da CNT/FAI e do POUM às mesmas.

Em abril de 1937 o governo central enviou tropas à Catalunha para remover o controle da CNT/FAI sobre as alfandegas, quase precipitando um conflito armado - evitado apenas pela decisao dos anarcossindicalistas de entregarem os entrepostos. Chegadas em Barcelona, as tropas demandaram que as milicias locais entregassem as armas e, ante sua negativa, uma série de enfrentamentos pontuais ocorrem pelas ruas da cidade. A situaçao se tornou explosiva quando, em 3 de maio, um enviado do PSUC tentou retirar da CNT/FAI o controle da central telefónica, que havia sido expropriada da empresa American Telegraph & Telephone (EUA). Na sequéncia da tentativa malsucedida, barricadas se espalharam por toda a cidade e teve lugar uma verdadeira guerra civil dentro da guerra civil - ou, mais precisamente, um aprofundamento do processo revolucionário e da situaçao de dualidade de poderes. Com a cidade nas maos dos trabalhadores, a 4 de maio Caballero e os "anarcoministros" Garcia Oliver e Frederica Montseny (CNT/FAI) enviaram desde Madrid mensagens apaziguadoras em nome do governo central, ao que o Comité Regional da CNT/FAI respondeu com um chamado ao armisticio. Após uma resisténcia inicial, o POUM aderiu ao chamado de armisticio no dia seguinte.

Na sequéncia do armisticio, a Generalitat decidiu pela dissoluçao do Comité Central das Milicias Antifascistas e dos comités autogestionados. A CNT/FAI apoiou a proposta e o POUM, após uma oposiçao inicial, também acabou por aderir, mais uma vez seguindo atrás da politica da CNT/FAI, sob o argumento de nao se "isolar" das bases dela. Com tais medidas, se fortaleceu o governo da Frente Popular em detrimento dos órgaos de

dualidade de poder criados a partir da insurreigao de julho. E nao foram medidas meramente legais, uma vez que foram implementadas na base de profunda repressao policial ás vozes mais radicais no interior da CNT, bem como ao POUM - que o PCE, á altura já completamente sob o controle dos enviados moscovitas, especialmente do 8

dirigente italiano Palmiro Togliatti, exigia que fosse posto na ilegalidade. Ao longo de maio e dos meses seguintes, diversos revolucionários foram presos sob as mais diversas acusagoes - as quais eram frequentemente falsas. E, á agao governamental, também se somou uma intensa agao de agentes da NKVD, da qual o próprio Nin foi vítima, tendo sido sequestrado em julho, torturado, morto e esquartejado. Durante certo tempo, os stalinistas -que, além de frequentemente acusarem o POUM de ser "trotskista", também o acusavam de ser "quinta coluna" - responderam cinicamente ás indagagoes sobre o paradeiro de Nin, dizendo que ele provavelmente se encontrava em Berlim.

Ante a negativa de Caballero em ilegalizar o POUM, os stalinistas, coordenados pelos enviados de Moscou, arquitetaram um golpe que o removeu do poder e permitiu que assumisse Juan Negrín, representante da ala direita do PSOE e muito mais aberto ás demandas soviéticas. Sob Negrín, a contrarrevolugao foi consolidada, através do esmagamento das vozes mais radicais, dos organismos proletários autónomos e da reconstrugao de um exército nacional unificado sob comando da Frente Popular. O POUM foi posto na ilegalidade e muitos de seus membros foram presos, tendo tantos outros tido que adentrarem a clandestinidade para fugirem do governo e dos assassinos enviados por Moscou. Nos meses que se seguiram, o partido passou por uma intensa crise interna, decorrente dos balangos das suas agoes de seguidismo á CNT/FAI e, consequentemente, á Frente Popular9.

Trotski, os "bolchevique-leninistas" e suas análises e atua^ao

Desde seu exílio na Noruega, Trotski escreveu intensamente sobre os eventos na Espanha. Enfatizando as ligoes da sua Teoria da Revolugao Permanente acerca da impossibilidade da burguesia periférica cumprir as tarefas nacional-democráticas clássicas (reforma agrária, independencia nacional, democracia republicana), uma vez que é umbilicalmente ligada aos capitais imperialistas e ás velhas elites agrárias, ele condenou duramente a politica de colaboragao de classes da Frente Popular, que levava o proletariado a defender a ordem burguesa, supostamente para fazer avangar ditas tarefas.10

Buscando caracterizar de forma mais precisa o governo, Trotski afirmou que a Frente Popular era a "sombra da burguesia", no sentido que ela nao era composta e nem

8 Referencias para este e os quatro parágrafos anteriores: Ibid., p. 354-55. Victor Alba & Stephen Schwartz, Op. cit., p. 180-81. M. Casanova [Mieczyslaw Bortenstein], Espanha abandonada. Como Stalin abriu as portas a Franco [1939], Lisboa, Antidoto, 1977, p. 84-99 (há também uma versao em castelhano: M. Casanova [Mieczyslaw Bortenstein], El Frente Popular abrió las puertas a Franco [1939], disponível em http://www.marxistsfr.org/espanol/bortenstein/1939/frente/index.htm, acessado em dezembro de 2016).

9 Pierre Broué, Op. cit., p. 355. Luis González, Op. cit., p. 91.

10 Leon Trotski, A Revolugao Espanhola - compilagao, op. cit., passim.

mesmo apoiada pelo grosso da burguesia nativa da Espanha, que havia passado em peso para o lado de Franco ante a amea9a de revolu9ao social. Mas que, nao obstante essa ausencia, os "advogados da burguesia" (Azaña, Companys etc.) e os stalinistas, socialdemocratas e anarquistas que o compunham cumpriam o papel de subordinar o 9

proletariado aos "principios da revolu9ao democrática, isto é, da inviolabilidade da propriedade privada" - cumprindo, portanto, valioso servi9o á burguesia pró-Franco11.

Dessa forma, ele defendeu a perspectiva de que a política de aliaba com a burguesia em detrimento da revolu9ao social em curso levaria á derrota na própria luta contra Franco. Segundo suas análises, a tarefa política central era unificar os vários comités revolucionários já existentes, formando um comando central democraticamente eleito e que dirigisse a classe trabalhadora á expropria9ao da burguesia, o que serviria de exemplo para os trabalhadores nos territórios sob controle franquista, enfraquecendo Franco sobremaneira. No mesmo sentido, defendia a bandeira de autodetermina9ao do Marrocos, como forma de golpear decididamente a burguesia que apoiava Franco e debilitar o principal bastiao militar franquista, de onde vinham as tropas mais bem treinadas e

experientes, bem como defendia o direito á autodetermina9ao das várias nacionalidades

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oprimidas no interior do Estado espanhol.

Apesar de Trotski ter acompanhado com bastante aten9ao os eventos na Espanha, enviando grande volume de artigos e cartas para seus camaradas mundo afora, no mes de agosto de 1937 o governo noruegués, sob pressao de Moscou, o submeteu á prisao domiciliar e cortou toda sua comunica9ao. Dessa forma, ainda que tenha continuado a produzir reflexoes sobre o processo revolucionário, foi apenas no come9o de janeiro de 1938, quando já se encontrava em seu novo exílio no México, que Trotski pode enviar tais materiais para publica9ao e retomar sua interven9ao pública.

Seguindo á risca a linha defendida por Trotski, os trotskistas que atuavam na Espanha criticavam nao só a política de colabora9ao de classes da Frente Popular, considerada contrarrevolucionária, como também as vacila9oes do POUM ante ela, especialmente sua adesao ao governo da Generalitat, em outubro de 1936. Se autodenominando "bolchevique-leninistas", como faziam entao a maior parte dos aliados de Trotski ("trotskista" era uma nomenclatura pejorativa, usada pelos stalinistas para classificarem qualquer adversário que fosse no interior do movimento comunista, eles nao só atuaram militarmente na Coluna Internacional Lenin, como realizarem propaganda entre os círculos radicais próximos ao POUM e chegaram até a se ofereceram para cooperarem na organiza9ao de um levante revolucionário no Marrocos, junto a uma organiza9ao independentista marroquina - mas Caballero, a quem chegaram por intermédio do POUM, recusou a proposta por medo de levantar a ira da Fran9a, que também dominava a regiao. Sua atividade, todavia, foi muito limitada por seu tamanho reduzido - nao mais de 50

Leon Trotski, "Li9oes da Espanha: última advertencia" [1937], in _ op. cit., p. 246-47.

12 Leon Trotski, A Revolugao Espanhola - compilagao, op. cit., passim.

_. A Revolugao Espanhola,

militantes, de acordo com as estimativas de Frank Mintz e Miguel Pecina - e o fato de

13

muitos serem estrangeiros (italianos, franceses, belgas etc.).

Na sequencia do decreto da militarizagao, que suprimiu as milícias autónomas em prol da criagao de um exército nacional, a Coluna liderada pelos "bolcheviques-leninistas" 10

rachou, uma vez que também atuavam em seu interior militantes "bordiguistas" (ligados ao comunista esquerdista italiano, Amadeo Bordiga) que se negaram de imediato a manterem a cooperagao com o POUM a partir de entao. Conforme relata o historiador Augustín Guillamón, com a posterior dissolugao da Coluna Internacional Lenin, ainda em outubro, muitos "bolchevique-leninistas" estrangeiros partiram da Espanha, inclusive o representante do Secretariado da Liga Comunista Internacional, Jean Rous. Já aqueles que permaneceram no país requisitaram adentrarem no POUM como fragao, mas tiveram o pedido rejeitado, uma vez que Nin declarou que só poderiam adentrar o partido individualmente e após abdicarem publicamente das acusagoes que a Liga e Trotski haviam feito contra a organizagao. Nao obstante, alguns seguiram atuando como uma fragao secreta no interior do partido até maio de 1937, quando a adesao do POUM á contrarrevolugao levou sua diregao a realizar uma série de expurgos em suas próprias fileiras (tal qual a CNT/FAI), previamente a um congresso partidário que nunca chegou a ser realizado, em decorrencia da repressao da qual a organizagao também foi vítima14

Impossibilitados de adentrarem no POUM como fragao, os "bolchevique-leninistas" se organizaram no diminuto "Grupo Bolchevique Leninista" (GBL), liderado por Fosco e que publicava um jornal em frances, Le soviet. Esse grupo, entretanto, logo se viu dividido, por conta da defesa de Fosco de que se deveria entrar no POUM mesmo que nao fosse possível a formagao de uma fagao oficial, preconizando uma atuagao enquanto fragao "de fato" - política que alguns viram como "liquidacionismo". Também gerou polémicas nas fileiras do GBL a filiagao de Fosco á ruptura operada por Raymond Mollinier e Pierre Frank na segao francesa da Liga naquele mesmo mes de outubro, formando o Parti Communiste Internationaliste. O grupo de Mollinier e Frank se reivindicava adepto da Liga, mas oposto a seu órgao dirigente, o Secretariado Internacional. Ele colocou seu jornal á disposigao do grupo de Fosco e o próprio Mollinier viajou á Barcelona para angariar solidariedade entre os "bolchevique-leninistas" que lá se encontravam.

Ante as crescentes tensoes no interior do GBL, entre Fosco e aqueles mais alinhados ao Secretariado Internacional da Liga, entao agrupados ao redor de Erwin Wolf, surgiu em novembro a "Segao Bolchevique-leninista da Espanha" (SBLE), impulsionada gragas ao retorno do México do antigo dirigente da ICE, Grandizo Munis. Mas a SBLE só ganhou volume em janeiro de 1937, quando parte dos membros do GBL a ela aderiram, deixando Fosco bastante isolado. Segundo as estimativas dos mencionados Mintz e Peciña, em maio daquele ano o GBL contava com meros 7 ou 8 militantes, enquanto a SBLE contava com nao mais do que 20. Em relagao á SBLE, todavia, Guillamón - que teve contato com entrevistas de ex-membros - afirma que eram entao cerca de 30. Nao obstante seu tamanho

13 Luis González, Op. cit., p. 68-69. Frank Mintz y Miguel Peciña, Op. cit., p. 39-41.

14 Ibid., p. 72-73.

evidentemente diminuto, a partir de abril de 1937 a SBLE foi capaz de publicar o jornal La Voz Leninista e passar distribuir panfletos pelas ruas de Barcelona, contanto com o auxílio de anarcossindicalistas para imprimirem tais materiais.15

Igualmente impossibilitado de atuar enquanto fra9ao no interior do POUM, o grupo 11

dirigido por Munis e por outros quadros experientes, tais como como o mencionado Wolf, Adolfo Carlini e Hans Freund (pseudónimo "Moulin"), se tornou mais numeroso e com maiores capacidades de publica9ao do que o GBL, passando a atuar sobre as bases do POUM e também a desenvolver uma série de atividades entre as bases da CNT/FAI, inclusive colaborando com o agrupamento anarquista "Amigos de Durruti". Tal agrupamento era uma ala esquerda da CNT, que criticava sua adesao ao governo da Frente Popular e ás medidas de supressao das juntas revolucionárias, tendo sido nomeado em homenagem a Buenaventura Durruti, anarcossindicalista que dirigiu uma coluna militar de linha política radical e que foi morto em combate em novembro de 1936, sem que até hoje haja certeza se ele caiu por fogo inimigo ou se foi sordidamente eliminado por fogo "republicano"16.

Apesar de amplamente ignorado pela história do movimento trotskista, a SBLE era o grupo "oficial" da Liga Comunista Internacional na Espanha, cujos documentos centrais foram resgatados do esquecimento e compilados por uma equipe de historiadores coordenada por Guillamón (a qual realizou tarefa semelhante em rela9ao ao agrupamento Amigos de Durruti). Sua linha política central, conforme expressa em um manifesto de julho de 1937, era de denúncia á colabora9ao do POUM e da CNT/FAI com o governo do PSOE / PCE e de agita9ao pela forma9ao de uma frente única proletária capaz de tomar o poder e expropriar a burguesia, de forma a vencer a guerra civil através do triunfo da revolu9ao social17.

Durante o levante de maio em Barcelona, a SBLE e os Amigos de Durriti foram os únicos a panfletarem convocando a forma9ao de conselhos revolucionários ("Comités de Defesa Revolucionária", no caso da SBLE), que assumissem o controle da cidade e se espalhassem por toda a Catalunha. O panfleto circulado pela SBLE a partir do dia 4 (segundo dia do conflito) entoava vivas á "ofensiva revolucionária" e conclamava por "nada de compromissos", chamando por uma "greve geral de todas as indústrias que nao trabalhem para a guerra" como forma de conquistar a "demissao" do "governo revolucionário". Ao mesmo tempo, o material defendia o desarmamento das tropas da Frente Popular que atacavam Barcelona e o armamento do proletariado, reafirmando a linha

15 Referencia para este parágrafo e os dois anteriores: Augustín Guillamón, Op. cit., p. 18-21, 22 e 33. Frank Mintz y Miguel Peciña, Op. cit., p. 41.

16 Mintz e Pecina contestam que tenha havido qualquer colabora9ao entre os "bolchevique-leninistas" e os "Amigos de Durruti". Todavia, eles se baseiam apenas na ausencia de indicios de tal colabora9ao nas páginas dos periódicos dos dois grupos, ao passo que Guillamón resgata entrevistas com antigos dirigentes "bolchevique-leninistas" para afirmar que houve tentativas de aproxima9ao política e de coordena9ao de atividades. Frank Mintz y Miguel Peciña, Op. cit., p. 43. Augustín Guillamón, Op. cit., p. 21-22.

17 A Posi9ao dos bolchevique-leninistas espanhóis [1937], in Leon Trotski, A Revolugao Espanhola, op. cit., p. 205-07.

central de Trotski, segundo a qual "apenas o poder proletário pode assegurar a vitória

18

militar" . Ao fim do conflito, o balango que os "bolchevique-leninistas" (e também os Amigos de Durruti) fizeram do armisticio e da posterior dissolugao dos vários comites autogestionários foi de que era um triunfo da contrarrevolugao, com a qual a CNT/FAI e o 12

POUM haviam pactuado.19

Apesar da SBLE ter crescido através de seu trabalho no interior da CNT e nas bases do POUM, a repressao desencadeada a partir de maio de 1937 sob o comando de Negrín e dos stalinistas também se estendeu aos "bolchevique-leninistas", que tiveram os dirigentes Hans Freund e Erwin Wolf assassinados em meados de 1937 e Munis, Alfonso Rodríguez e Antonino Alvarez presos em fevereiro de 1938, sob falsas acusagoes de terem assassinado um agente da NKVD. Após meses de prisao, esses conseguiram fugir pouco antes das tropas franquistas terem tomado Barcelona. Eles atravessaram a fronteira para a Franga e lá se juntaram a tantos outros camaradas seus que também foram forgados ao exílio, junto aos quais reorganizaram o grupo em Paris. Mas muitos foram forgados a novo exílio, dessa vez para o México, quando da tomada da Franga pelos nazistas. Dessa forma, passaram a existir dois grupos de "bolchevique-leninistas" espanhóis ao longo dos anos seguintes a 1939: o "Grupo Espanhol da Quarta Internacional no México", dirigido por Munis e Péret, em

colaboragao muito próxima com a viúva de Trotski, Natalia Sedova; e o "Grupo Comunista

20

Internacionalista - Segao espanhola da Quarta Internacional", atuante na Franga.

No espago de tempo entre a prisao de Munis e dos outros dirigentes da SBLE e a derrota da revolugao, a diregao do grupo foi assumida pelo polones Mieczyslaw Bortenstein, que atuou na Espanha de 1936 a 1939 em uma fábrica ocupada, sob o pseudónimo "M. Casanova". Sob sua diregao, ainda que atuando de forma clandestina, a SBLE conseguiu incidir na crise pela qual passou o POUM ao ter pagado um enorme prego pelos servigos que prestou á contrarrevolugao em maio de 1937, bem como continuou a atuar no interior da CNT, apontando os erros de sua diregao ao se submeter á Frente Popular e enfatizando o que encaravam ser a única alternativa viável para derrotar Franco: a revolugao socialista.

Ao fugir para a Franga após o avango franquista sobre Madrid e Barcelona (26 de janeiro de 1939), ainda antes do golpe de Estado de Miaja-Casado - que removeu Negrín do poder e propós um armistício a Franco, em margo de 1939 - Casanova proferiu uma palestra sobre sua experiencia e a de seus camaradas, a qual foi posteriormente publicada como livro. Ainda em 1939, todavia, ele foi preso por agentes alemaes e terminou assassinado no campo de concentragao de Auschwitz, em 1942. 1

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Seguindo a linha segundo a qual apenas a revolugao socialista poderia ter derrotado Franco, Casanova argumentou que "Nao o foram nem o socialismo nem o marxismo que fracassaram em Espanha, mas aqueles que covardemente o traíram" - uma vez que, em suas palavras, "foi a aplicagao da fórmula 'primeiro ganhar a guerra, depois fazer a

18 Apud Frank Mintz y Miguel Peciña, Op. cit., p. 41-42.

19 Augustin Guillamón, Op. cit., p. 22. Luis González, Op. cit., p. 82.

20 Ibid., p. 94 e p. 96. Augustin Guillamón, Op. cit., p. 23-24.

21 Luis González, Op. cit., p. 88.

revoluçâo' que conduziu, como o tínhamos previsto já em 1936, à perda, primeiro da revoluçâo, depois da guerra". Ainda segundo seu balanço, "a tragédia espanhola é mais um crime na lista da burocracia stalinista, que esmagou o movimento revolucionário, assassinou os seus melhores combatentes, desmoralizou, através da sua nojenta política de 13

servilhismo para com o capital internacional, dito democrático, o heroico proletariado deste país".22

Da mesma forma, desde Paris, os exilados da antiga SBLE que lá chegaram ao longo de 1939 também publicaram balanços nos quais apontavam a responsabilidade da política stalinista de colaboraçâo de classes na derrota nâo só do proletariado da Espanha, mas da própria causa republicana, dita "democrático-burguesa".23 E o debate sobre as "liçôes" da Revoluçâo Espanhola nâo ficaram restritos apenas aos "bolchevique-leninistas" que nela atuaram, conforme demonstra o livro escrito por Felix Morrow, quadro dirigente do Socialist Workers Party dos EUA, pertencente à Liga Comunista Internacional, e que circulou amplamente entre os "bolchevique-leninistas" mundo afora, apresentando um balanço análogo ao de seus camaradas do outro lado do Atlántico (Révolution and Counter Révolution in Spain, 1938)24.

Trotski, por sua vez, a partir de seu novo exilio no México, também teceu balanços similares, enfatizando tanto a inviabilidade do programa etapista de revoluçâo "democrático-burguesa" e de colaboraçâo de classes do stalinismo, entâo sintetizado na política de construir "Frentes Populares" em todo o mundo, quanto a necessidade urgente de se construir partidos revolucionários capazes de liderarem o proletariado à vitória com base em um programa socialista.

Dessa forma, viu na trágica experiência da Revoluçâo Espanhola mais uma prova do caráter contrarrevolucionário do stalinismo, cuja estratégia etapista de relegar a revoluçâo socialista para um futuro incerto e de priorizar uma impossível revoluçâo "democrático-burguesa" nâo era senâo uma falsa teoria derivada dos interesses materiais da burocracia soviética, de coexistência "pacífica" com o imperialismo. E viu também o enorme prejuízo que o "centrismo" pode gerar para a causa da emancipaçâo do proletariado, uma vez que o POUM, ao invés de lutar decididamente contra a conciliaçâo de classes - que levou a classe trabalhadora da Espanha para o matadouro franquista - se deixou ser levado a reboque pela Frente Popular, baseado na premissa de nâo se "isolar" das forças que a compunham, em especial a CNT/FAI.25

22 M. Casanova [Mieczyslaw Bortenstein], Op. cit., p. 9, 65 e 13, respectivamente.

23 Luis González, Op. cit., p. 90-91.

24 Felix Morrow, Revolution and Counter Revolution in Spain [1938], London, New Park Publications, 1963, disponível em https://www.marxists.org/archive/morrow-felix/1938/revolution-spain/, acessado em junho de 2016 (há também uma versao em castelhano: Felix Morrow, Revolución y contrarrevolución en España, Madrid, Akal, 1977).

25 Leon Trotski, "Classe, partido e diregao. Por que o proletariado espanhol foi derrotado? Questoes de teoria

marxista" [1940], in _. A Revolugao Espanhola, op. cit., p. 267-277. Trotski ainda estava

terminando tal artigo quando foi atacado pelo agente stalinista Ramón Mercader, em 20 de agosto de 1940, vindo a falecer no dia seguinte.

Centrismo esse que recebeu apoio entre setores da própria Liga Comunista Internacional, impactando assim a construçâo da Quarta Internacional, que só foi efetivamente fundada em 1938. Tais setores foram aqueles reunidos sob a liderança do dirigente belga George Vereeken, do dirigente holandés Henk Sneevliet, além do dissidente 14

bolchevique Victor Serge. Suas posiçôes pró-POUM foram duramente condenadas por Trotski e combatidas com o fim de solidificar os quadros da futura internacional, mas a ruptura com eles reduziu consideravelmente as fileiras do movimento pró Quarta Internacional26. Foi refletindo sobre experiéncias como a fracassada Revoluçâo Espanhola que Trotski enfatizou ainda mais a importância do fator subjetivo da liderança política na luta pelo socialismo, afirmando no programa de fundaçâo da Quarta Internacional (Programa de Transiçâo, 1938) que "Tudo depende do proletariado, ou seja, antes de mais nada, de sua vanguarda revolucionária. A crise histórica da humanidade reduz-se à crise da

27

direçâo revolucionária" . Uma perspectiva incompativel com aquela do POUM e de seus apoiadores internacionais, de buscar "substitutos" para o partido marxista.

Criticas similares ao papel "vacilante" e "capitulador" do POUM também foram realizadas nos balanços de Casanova, Morrow e dos membros da SBLE no exilio. Esses veicularam suas criticas através das ediçôes de La Voz Leninista produzidas no exilio, mas um de seus militantes em particular produziu um balanço próprio em forma de livro, que ganhou maior notoriedade e sobrevivéncia histórica. Trata-se de Munis, que se debruçou sobre o processo revolucionário, seus fatores sociais e seus sujeitos politicos em um livro escrito entre 1943 e 1947, durante seu exilio no México, e que foi publicado em 1948.

Ainda que convergindo em termos gerais com os demais balanços mencionados, com na critica à politica reformista / etapista de colaboraçâo de classes do PSOE e do PCE, bem como à política "centrista" do POUM, o livro de Munis reflete algumas mudanças

importantes em suas posiçôes politicas anteriores - especialmente em relaçâo à

28

caracterizaçâo do stalinismo e da URSS.28 Pois, ao longo dos anos 1940, Munis se afastou cada vez mais do trotskismo, processo que culminou em sua ruptura com a Quarta Internacional em novembro de 1948 e em sua adesâo à chamada "esquerda comunista", após alguns anos atuando em conjunto com Péret e Sedova como uma voz critica à direçâo da organizaçâo29.

26 Pierre Broué, Op. cit., p. 356-57.

27 Leon Trotsky, O programa de transiçâo para a revoluçâo socialista [1938], Sâo Paulo, Sundermann, 2008, p. 13.

28 G. Munis [Manuel Martínez], Jalones de derrota promesa de victoria. Critica y teoría de la revolución española, 1930-1939. Obras completas, Tomo IV, Brenes, Muñoz Moya Editores Extremeños, 2003.

29 As principais divergéncias do trio com o restante da Quarta Internacional foram acerca da defesa dos 18 militantes e dirigentes da seçâo dos EUA julgados em 1941 por acusaçôes de quererem derrubar violentamente o governo e causar insubordinaçâo no seio das forças armadas, a qual eles encararam ter sido conduzida de forma oportunista, por conta dos acusados terem se esquivado de declararem abertamente certas posiçôes. Também denunciaram as arbitrariedades estatutárias feitas ante o 2° Congresso Mundial, de novembro de 1948, para favorecer aqueles alinhados às posiçôes da seçâo dos EUA (as previsôes de crise económica iminente e abertura de um periodo revolucionário). Nesse congresso, o trio se aliou ao grupo "terceiro campista" de Max Shachtman (o Workers Party dos EUA), que defendia nâo mais ser possivel

Conclusäo

A experiência da Revoluçâo Espanhola, confirmando amargamente os aspectos centrais da Teoria da Revoluçâo Permanente, viu tanto a burguesia espanhola, umbilicalmente ligada às velhas elites fundiárias, quanto os imperialismos francés e inglés, preferirem a ditadura de Franco e seu bando nacionalista, católico-conservador e fascista à única alternativa viável para derrota-lo: a revoluçâo proletária socialista, que tomaria suas terras, ocuparia suas fábricas, libertaria o Marrocos, garantiría autonomia às nacionalidades oprimidas e levaria o proletariado ao poder, além de dar enorme impulso à revoluçâo socialista mundial. A Frente Popular, baseada em um impossível projeto de conciliar os interesses burgueses com os interesses proletários, foi pouco a pouco cedendo aos primeiros em detrimento dos segundos, visando uma utópica aliança entre o proletariado revolucionário e aqueles diretamente afetados pela revoluçâo, os capitalistas.

Dessa forma, a revoluçâo social que erguera as milicias anti-franquistas e mobilizara dezenas de milhares de socialistas ao redor do globo para irem lutar na Espanha (cerca de 40 mil voluntários estrangeiros, ao passo que o bando franquista mobilizou

30

apenas cerca de mil ) foi esmagada desde seu interior. E, vendo seus interesses cada vez menos representados pelo governo da Frente Popular, os trabalhadores que forneciam suas próprias vidas à causa republicana pouco a pouco perderam sua efervescéncia inicial, o que levou à drástica queda no número de combatentes (especialmente após o decreto da "militarizaçâo" e o golpe de Negrín) e também à diminuiçâo do ritmo de produçâo pelas fábricas ocupadas, incluindo as envolvidas no esforço de guerra.31

O relato de Casanova ante o verdadeiro "êxodo" que se seguiu à queda de Barcelona é bastante representativo da falsa unidade que a Frente Popular fingia representar ao, na

caracterizar a URSS como um "Estado operário burocráticamente degenerado". Eles também criticaram duramente a onda de apoio a Josep Tito e ao regime iugoslavo, que tomou conta das fileiras trotskistas nos meses seguintes a tal congresso, quando aquele rompeu relaçôes com Stalin e com Moscou - nessas críticas foram acompanhados pela liderança da seçao inglesa. Apesar de Sedova e Perét terem apoiado o grupo que Munis fundou após deixar a Quarta Internacional - o "Grupo Comunista Intemacionalista da Espanha" (no México) - eles próprios só romperam em maio de 1951, após a liderança internacional ter caracterizado os países do Leste Europeu como "Estados operários burocraticamente deformados". Um acordo sólido que unia o trio era a crítica de que reconhecer que o stalinismo havia expropriado a burguesia em parte do globo, apesar de sua orientaçao contrarrevolucionária, levava "necessariamente" a reduzir o trotskismo a uma mera "ala esquerda" dele - posiçao que de fato passou entäo a ser defendida por parte da nova liderança internacional, em particular Michel Pablo (pseudónimo do grego radicado na França Michalis Raptis). Agustín Guillamón Iborra, "Munis, vie et oeuvre d'un révolutionnaire méconnu", Cahiers Leon Trotsky 50, Paris, mai de 1993, p. 85-101. Sam Borstein e Al Richardson, The War and the International: A History of the British TrotskyistMovement, 1937-1949, London, Socialist Platform, 1986, p. 215. Marcio Lauria Monteiro, "O movimento trotskista internacional e as revoluçôes do pós-guerra", Outubro 27, novembro de 2016, disponível em http://outubrorevista.com.br/o-movimento-trotskista-internacional-e-as-revolucoes-do-pos-guerra/, acessado em dezembro de 2016.

30 Eric J. Hobsbawm, A Era dos Extremos. O breve século XX. 1914-1991, Säo Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 161.

31 Luis González, Op. cit., p. . M. Casanova [Mieczyslaw Bortenstein], Op. cit., p.74-76 e 95-99.

realidade, submeter o proletariado (e sua revolugao socialista) á burguesia "liberal" e ao imperialismo "democrático": "por um lado, os burgueses de esquerda e os burocratas aburguesados, que viajavam em belos automóveis ou, no pior dos casos, nos pequenos Citroen; por outro lado, os operários, camponeses e combatentes, que seguiam a pé"3 . Que 16

aos 80 anos da Revolugao Espanhola seja lembrada a ligao de que nao há caminho intermediário possível entre a dominagao burguesa e a revolugao socialista, sendo a colaboragao de classes um uma via incompatível com a emancipagao do proletariado e das demais classes subalternas.

Referências bibliográficas

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