Научная статья на тему 'O “ANARQUISMO SEM ADJETIVOS” ATRAVéS DA TRAJETóRIA LIBERTáRIA DE ANGELO BANDONI. REPENSANDO A CLASSIFICAçãO DOS ANARQUISTAS ITALIANOS EM SãO PAULO NO INíCIO DO SéCULO XX PROPOSTA PELOS AUTORES DO LIVRO BLACK FLAME'

O “ANARQUISMO SEM ADJETIVOS” ATRAVéS DA TRAJETóRIA LIBERTáRIA DE ANGELO BANDONI. REPENSANDO A CLASSIFICAçãO DOS ANARQUISTAS ITALIANOS EM SãO PAULO NO INíCIO DO SéCULO XX PROPOSTA PELOS AUTORES DO LIVRO BLACK FLAME Текст научной статьи по специальности «Языкознание и литературоведение»

CC BY
131
17
i Надоели баннеры? Вы всегда можете отключить рекламу.
Журнал
Izquierdas
Scopus
ESCI
Ключевые слова
ANGELO BANDONI / "ANARQUISMO SEM ADJETIVOS" / ANARQUISTAS ITALIANOS / SãO PAULO - BRASIL / CLASSIFICAçãO / BLACK FLAME / NGELO BANDONI / ANARCHISM WITHOUT ADJECTIVES / ITALIAN ANARCHISTS / SAO PAULO - BRAZIL / CLASSIFICATION

Аннотация научной статьи по языкознанию и литературоведению, автор научной работы — Corrêa De Sá E Benevides Bruno

Este artigo tem como proposta rediscutir, por meio da trajetória do anarquista de origem franco-italiana Angelo Bandoni, a classificação elaborada pelo livro Black Flame para os libertários italianos em São Paulo no início do século XX, especialmente aqueles reunidos em torno do jornal La Battaglia . Apesar da forte tendência antiorganizacional de Bandoni, buscou-se compreender a sua ação enquanto militante para além das vertentes do anarquismo, postulando que a sua melhor descrição seja a de um “anarquista sem adjetivos”

i Надоели баннеры? Вы всегда можете отключить рекламу.
iНе можете найти то, что вам нужно? Попробуйте сервис подбора литературы.
i Надоели баннеры? Вы всегда можете отключить рекламу.

THE “ANARCHISM WITHOUT ADJECTIVES” THROUGH THE LIBERTARIAN ROUTE OF ANGELO BANDONI. RECONSIDERING THE ITALIAN ANARCHISTS IN SãO PAULO IN THE BEGINNING OF THE TWENTIETH CENTURY PROPOSED BY THE AUTHORS OF BOOK BLACK FLAME

This article proposes to rediscover, through the trajectory of the French-Italian anarchist Angelo Bandoni, the classification elaborated by the book Black Flame to Italian libertarians in São Paulo in the early twentieth century, especially those gathered around the newspaper La Battaglia . Despite Bandoni's strong anti-organization tendency, sought to understand his action as a militant beyond the strands of anarchism, postulating that his best description is that of an “anarchist without adjectives”.

Текст научной работы на тему «O “ANARQUISMO SEM ADJETIVOS” ATRAVéS DA TRAJETóRIA LIBERTáRIA DE ANGELO BANDONI. REPENSANDO A CLASSIFICAçãO DOS ANARQUISTAS ITALIANOS EM SãO PAULO NO INíCIO DO SéCULO XX PROPOSTA PELOS AUTORES DO LIVRO BLACK FLAME»

O "anarquismo sem adjetivos" através da trajetória libertária

de Angelo Bandoni.

Repensando a classificafao dos anarquistas italianos em Sao Paulo no inicio do século XX proposta pelos autores do livro Black Fíame

The "anarchism without adjectives" through the libertarian route of Angelo Bandoni. Reconsidering the italian anarchists in Sao Paulo in the beginning of the twentieth century proposed by the authors of book Black Flame

Bruno Correa de Sá e Benevides*

Resumo: Este artigo tem como proposta rediscutir, por meio da trajetória do

anarquista de origem franco-italiana Angelo Bandoni, a classificafao elaborada

pelo livro Black Fíame para os libertários italianos em Sao Paulo no inicio do

século XX, especialmente aqueles reunidos em torno do jornal La Battaglia. 41

Apesar da forte tendencia antiorganizacional de Bandoni, buscou-se

compreender a sua afao enquanto militante para além das vertentes do

anarquismo, postulando que a sua melhor descrifáo seja a de um "anarquista sem

adjetivos".

Palavras-chave: Angelo Bandoni, "anarquismo sem adjetivos", anarquistas italianos, Sao Paulo - Brasil, classificafao, Black Fíame.

Abstract: This article proposes to rediscover, through the trajectory of the French-Italian anarchist Angelo Bandoni, the classification elaborated by the book Black Flame to Italian libertarians in Sao Paulo in the early twentieth century, especially those gathered around the newspaper La Battaglia. Despite Bandoni's strong anti-organization tendency, sought to understand his action as a militant beyond the strands of anarchism, postulating that his best description is that of an "anarchist without adjectives".

Key words: Angelo Bandoni, anarchism without adjectives, Italian anarchists, Sao Paulo - Brazil, classification, Black Flame.

Recibido: 23 junio 2018 Aceptado: 12 agosto 2018

* Brasileiro, Rio de Janeiro, licenciado em História pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Mestre em História pela mesma instituifao, encontra-se vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educafao Brasileira - GEPHEB no ámbito do NEB/PPGEd./UNIRIO, e ao Grupo de Estudos Libertários (GEL/UNIRIO). E-mail: brunoebenevides@gmail.com.

Apresentaçâo

De acordo com um ramo da historiografía sobre o anarquismo desenvolvida até a década de 1980, as correntes anarquistas dividem-se, grosso modo, em individualistas e associacionistas. Os "primeiros, genericamente, rejeitavam toda e qualquer forma de organizaçao política como instrumento de açâo"1, enquanto que os segundos entendiam ser crucial "a existência de uma estrutura organizativa mínima dentro da sociedade, sem que esta implicasse em relaçôes de autoridade e hierarquia"2.

No tocante às tendencias associativas do anarquismo, podemos localizar duas correntes: a que passaram a ser conhecidas como anarcocomunista, possuindo forte aproximaçao aos aportes teóricos do anarquista russo Piotr Kropotkin e do italiano Errico Malatesta; e outra que utilizava a organizaçao sindical como tática de luta, e foram muito influentes no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, onde editaram, por exemplo, o periódico A Voz do Trabalhador.

Durante o período em que viveu no Brasil, Angelo Bandoni tendeu a assumir uma posiçao nao muito bem definida dentro do anarquismo. Porém, inúmeras vezes se declarou contrário à tese que dizia ser obrigatória a conformaçao dos anarquistas em torno de uma organizaçao sindical, de modo que grande parte da historiografia recente o define como um antiorganizador3. ^

Outro ramo dessa historiografia, contudo, foi mais além, e tendeu a identificar as suas críticas às organizaçôes sindicais como um elemento que o ligasse ao insurrecionalismo defendido pelo anarquista italiano Luigi Galleani. Isso se deu em razao da classificaçao elaborada por Michael Schmidt e Lucien van der Walt com a publicaçao da obra Black Flame. The revolutionary class politics of Anarchism and Syndicalism4, que afirmam serem duas as correntes do anarquismo: o anarquismo insurrecionalista e o anarquismo de massas. Para a primeira vertente, as reformas seriam ilusórias, sendo os movimentos de massa organizados (como os sindicatos) incompatíveis com o anarquismo, concedendo ênfase à açao armada contra a classe dominante e suas instituiçôes, como o principal meio de despertar uma revolta espontánea revolucionária5.

No Brasil, essa maneira de classificar passou a ter guarida a partir do trabalho de Felipe Corrêa, Rediscutindo o anarquismo, ao ressaltar a crítica feita pelos anarquistas italianos de Sao Paulo, sobretudo daqueles agrupados em torno do periódico La Battaglia6, no

1 Além disso, sao caracterizados por ter certa "aproximaçao, ainda que inconsciente, com o individualismo de Max Stirner". Inconsciente, pois muito dos anarquistas jamais leram ou tiveram contato o autor alemao (Romani, Carlo. Oreste Ristori: uma aventura anarquista, Sao Paulo, Annablume, 2002, p. 40-42).

2 Romani, Carlo. op. cit., p. 40-42.

3 Felici, Isabelle. Gli anarchici italiani di San Paolo e il problema dell organizzazione operaia (1898-1017), Blengino, Vanni, Franzina, Emilio e Pepe, Adolfo. La riscoperta delle Americhe: Lavoratori e sindacato nell emigrazione italiana in America Latina (1870-1970), Teti Editore, 1994.

4 Van der Walt, Lucien e Schmidt, Michael. Black Flame. The revolutionary class politics of Anarchism and Syndicalism, Oakland (CA), AK Press, 2009, p. 123-124.

5 Ibid., p. 123. Ainda segundo os autores, se enquadrariam nessa estratégia: anarquistas como Luigi Galleani, Emile Henry, Ravachol, M. Jacob, Nicola Sacco, Bartolomeo Vanzetti, C. Duval e Severino Di Giovanni. Foi defendido também por franceses do Bando de Bonnot e os russos do Chernoe Znamia e do Beznachalie, entre outros que defenderam, ainda que momentaneamente, o insurrecionalismo.

6 O La Battaglia foi um periódico anarquista escrito em lingua italiana publicado em Sao Paulo, fundado pelo anarquista toscano Oreste Ristori (1874-1943), em junho de 1904. Ristori, que chegou a Sao Paulo em março de 1904 (local onde a comunidade de anarquistas de origem italiana era bem ampla), formou um grupo redator inicial

inicio do século XX, em relafao aos militantes operários que tenderam a se agrupar em torno de uma organizafao sindical, cujo objetivo, de acordo com eles, era a conquista de reformas imediatas no bojo das relafoes trabalhistas, deixando de lado a luta maior que deveria ser pela revolufao social. Tal posifao, ainda segundo o autor, seria uma nítida evidencia da proximidade deste grupo em relafao aos insurrecionalistas, cuja base teórica seria Luigi Galleani e que seriam melhor denominados como antiorganizadores7.

Ainda dentro dessa perspectiva, tal anseio pela taxinomia dos anarquistas no Brasil entre aqueles a favor ou avessos as organizafoes nao seria uma proposta neutra do ponto de vista histórico, mas uma demanda oriunda de seus defensores no afa de fazer uma reflexao para o tempo presente no intuito de legitimar a existencia de alguns grupos anárquicos na atualidade. Esses defensores ainda seriam responsáveis por incorporar ao debate uma discussao sobre os modelos de organizafao anarquista ocorrida na Europa na segunda metade dos anos 1920.

A referida disputa encetada nos anos vinte envolveu alguns militantes russos exilados na Franfa após a repressao bolchevique8 e outros anarquistas. De uma maneira geral, o debate se estabeleceu a partir das posifoes dos russos, por meio da publicado de "A Plataforma Organizacional da Uniao Geral dos Anarquistas"9 e de duas respostas, denominadas de "A Síntese Anarquista"10, publicadas por Volin e Sebastian Faure11. As criticas a Plataforma, nome como o movimento passou a ser reconhecido, foram contundentes e envolveram as figuras mais proeminentes do anarquismo internacional, bastando mencionar 43

contando com a participafao de Alessandro Cerchiai, Angelo Bandoni, Tobia Boni, e Gigi Damiani. O semanário de quatro páginas chegou a ser publicado ininterruptamente todas as semanas, durante 9 anos, até agosto de 1913, embora tivesse mudado de nome, em setembro de 1912, para La Barricata, alcanfando uma tiragem que chegou, em alguns anos, a 5.000 cópias semanais (Romani, Carlo. op. cit., p. 130).

7 Correa, Felipe. Rediscutindo o anarquismo: uma abordagem teórica, Dissertafao (Mestrado) - Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, 2012, p. 173-174 e Van der Walt, Lucien e Schmidt, Michael. op. cit., p. 132. Tanto os autores sul-africanos, quanto Correa, nao trataram de classificar direta e especificamente Angelo Bandoni. Mas como este fez parte do grupo de articulistas do jornal La Battaglia e manteve posifao de criticas as organizafoes sindicais, trabalhos recentes tenderam a classifica-lo como um insurreicionário e influenciado pelas teorias galleanistas (ver por exemplo: Santos, Kauan Willian dos. "Paz entre nós, guerra aos senhores": o internacionalismo anarquista e as articulafoes politicas e sindicais nos grupos e periódicos anarquistas guerra sociale e a plebe na segunda década do século XX em Sao Paulo, Dissertafao (Mestrado em História) - Universidade Federal de Sao Paulo, Sao Paulo, 2016, p. 36-37 e Id., Ultrapassando limites, conjurando a liberdade: revolufao e nafao na trajetória politica de Angelo Bandoni em Sao Paulo nas duas primeiras décadas do século XX, Revista Mundos do Trabalho, Sao Paulo, v. 8, n. 16, p. 57-74, 2016).

8 Estes anarquistas russos se articularam em torno da revista Dielo Truda, por meio de um grupo conhecido pelo próprio nome da revista, que tinha entre seus militantes Makhno e Arshinov.

9 A proposta plataformista reconhece "a necessidade dos anarquistas se unirem em uma organizafao de bases sólidas que, em meio as massas, deve impulsionar a revolufao social violenta e estabelecer o comunismo libertario". Além disso, "constitui uma proposta de programa para os anarquistas", que reúne uma série de medidas e dentre essas "destacam-se os principios propostos para o modelo de organizado anarquista defendido" (Correa, Felipe. op. cit., p. 181).

10 Volin acusou a Plataforma de estar desenvolvendo um modelo bolchevique de organizafao, que apontava para uma forma autoritaria de organizado, e "defendeu a proposta de uma organizado anarquista que associasse as diversas tendencias do anarquismo". A sua posifáo consolidou-se em 1934, "na qual defende "unificar, em certa medida, a teoria e também o movimento anarquista, num conjunto harmonioso, ordenado, acabado" (Rossineri, Patrick. Entre a plataforma e o partido: as tendencias autoritárias e o anarquismo, Piracicaba, Ateneu Diego Giménez, 2011 e Correa, Felipe. op. cit., p. 181).

11 Ibid, p. 180-181.

Errico Malatesta, Luigi Fabbri, Camillo Berneri, Sébastien Faure, Max Nettlau, Alexander Berkman, Emma Goldman, entre outros12.

Ainda de acordo com os partidários da divisao dos anarquistas brasileiros entre organizadores versus antiorganizadores, seria possível "identificar similaridades significativas entre a proposta da Síntese e a defesa do "anarquismo sem adjetivos" na Espanha do século XIX" (sustentado por Tárrida de Marmól e Ricardo Mella), nas reflexoe s de Emma Goldman e no modelo praticado pela FAI (Federafao Anarquista Ibérica). Por outro lado, segundo essa mesma perspectiva, poderia, também, identificar semelhanfas entre a Plataforma e a teoria de Bakunin e a prática da ADS (Alianfa da Democracia Socialista)13, assim como nas posifoes da FAU (Federafao Anarquista Uruguaia) e da FAKB (Federafao dos Anarco-Comunistas Búlgaros)14.

No Cone Sul, a partir da década de 1980, por iniciativa da FAU (fundada em 1956), desenvolveu-se a difusao de uma tendencia "neoplataformista" denominada especifismo. Tal tendencia era defensora de propostas semelhantes com o plataformismo dos anos 1920, "ainda que de uma fundamentado diferente e de uma genealogia diferente"15. A partir dessa proposta inicial, outras de origem latino-americana vao surgindo e se desenvolvendo inclusive no Brasil16. Em contraposifao, consolidou-se o movimento denominado sintetismo cujo objetivo foi a constituifao de federafoes locais heterogéneas, declaradamente anarquistas, defendendo a diversidade tática capaz de reunir militantes de diferentes tendéncias anárquicas, unindo-se na Internacional de Federafoes Anarquistas (IFA, já existente desde 44

1968), sendo que esta última nao exerce nenhum tipo de poder de comando sobre tais federafoes regionais.

Em outras palavras, de uma maneira geral, o objetivo das análises até aqui apresentadas é defender que a proposta dos atuais grupos especifistas latino-americanos é uma derivafao histórica do movimento plataformista europeu de meados da década de 1920. E, por consequéncia, este último seria um desdobramento direto mais próximo das ideias de Bakunin no seio da AIT (Associafao Internacional dos Trabalhadores), isso em razao da estratégia de luta e da forma organizativa adotadas pelo especifismo. Do mesmo modo, como corolário, no caso do movimento anarquista brasileiro desenvolvido nos primeiros anos do século XX, os grupamentos defensores das organizafoes (sindicais) possuiriam maior semelhanfa com este modelo bakuninista, devendo, assim, ser considerados pertencentes a um anarquismo mais "original", mais legítimo.

Em contraposifao, aqueles contrários a um projeto organizativo via sindicatos, como os libertários italianos de Sao Paulo (especificamente os militantes reunidos em torno do La Battaglia), teriam se afastado da Internacional e das proposifoes do teórico russo, e em razao

12 Rossineri, Patrick. op. cit., p. 16.

13 Basicamente, a ADS (1868), tanto durante o seu funcionamento de forma pública quanto durante o período em que funcionou secretamente, foi uma organizaçao criada por Bakunin e os bakuninistas que serviria para conceder suporte a AIT (Associaçao Internacional dos Trabalhadores) com o objetivo de impulsionar os movimentos sociais, porém sem exercer relaçao de dominaçao ou hierarquia sobre a Internacional (Bakunin, Mikhail. Revoluçao e Liberdade. Cartas de 1845 a 1875, Sao Paulo, Hedra, 2010, p. 24).

14 Corrêa, Felipe. op. cit., p. 184-185.

15 "Postula que os anarquistas devem se agrupar em organizaçoes de caráter ideológico especificamente anarquista e dali trabalhar nos movimentos sociais. Também se insiste na unidade teórica, na unidade tática e no desenvolvimento de políticas da organizaçao específica aos movimentos sociais nos quais seus militantes participam. aprofundando as bases do especifismo" (Ibid., p. 238).

16 A fundaçao, em 2012, da Coordenaçao Anarquista Brasileira (CAB), por exemplo.

disso passariam a propagar, equivocadamente, a antiorganizafao, por serem seguidores do insurrecionalismo de Luigi Galleani. Tais análises, entretanto, sao sensivelmente generalizantes, pois classificam de forma inexorável os militantes italianos, nao ressaltando e se atentando para as especificidades de cada anarquista. Além disso, realizam um estudo histórico sem considerar as fontes e nao se atentam para a história do próprio anarquismo na Itália. Em outras palavras, dobram o passado para justificar o presente, e acabam por cometer equivocos17. Nesse sentido, a proposta deste artigo é, por meio do exame dos textos produzidos por Angelo Bandoni em sua integralidade, repensar a sua adjetivafao enquanto antiorganizador e insurrecionário gallianista, fato que será feito nas próximas páginas.

Uma breve biografia de Angelo Bandoni18

O hall da fama do anarquismo em Sao Paulo nos primeiros anos da República é composto por militantes emblemáticos como Gigi Damiani, Oreste Ristori, Tobia Boni, Alessandro Cerchiai, Edgard Lourenroth, Florentino de Carvalho, Neno Vasco, entre outros, que em razao de suas afoes aguerridas despertaram interesse na produfao de trabalhos biográficos19. Para alguns historiadores e memorialistas, o nome Angelo Bandoni também se insere nesse grupo.

Angelo Bandoni, nasceu em 2 de julho de 1868 em Bastia, uma cidade localizada ao ^

norte da ilha da Córsega na regiao do mar Mediterráneo. Vale ressaltar que a ilha da Córsega, até o ano de 1769, sofreu grande influencia politica de diversos reinos, principalmente os italianos ainda nao unificados, quando a partir desta data passou a pertencer ao dominio da Franfa20. Essa informafao possui grande releváncia, na medida em que demonstra ser Bandoni frances de nascimento, mas de cultura italiana.

Apesar de ter nascido na Córsega, este tinha origem italiana por parte materna e paterna, pois ambos eram de Livorno. Após seu nascimento, a familia Bandoni viveu na ilha francesa por mais 18 anos, quando ele, seu pai (Giovanni Bandoni) e seu irmao migraram em direfao a Itália.

De Bastia, a familia Bandoni chega a cidade de La Spezia onde se estabelece no ano de 1886. A trajetória de Angelo na Itália é um conjunto de "idas e vindas". No momento em que aporta na peninsula itálica, o anarquismo estava fervilhando e sofria intensa repressao por parte das autoridades italianas. No final do século XIX, o pais era possuidor de uma massa

17 Sobre essa ideologizaçâo da história do anarquismo há o extenso trabalho de René Berthier, Commentaires sur "Black Flame" et divers autres ouvrages. Reflexions sur l'anarchisme et le syndicalisme révolutionnaire. Cercle d'Études libertaires Gaston-Leval, 2017. Nessa obra em vias de traduçâo ao portugués, Berthier traça uma comparaçâo entre as ideias propostas principalmente por Michael Schmidt e Lucien van der Walt, Felipe Corréa e Edilene Toledo, verificando a sustentaçâo das mesmas ou nâo nas fontes da época.

18 Sobre as informaçoes biográficas de Angelo Bandoni mencionadas neste texto ver: Benevides, Bruno Corréa de Sá e. O Anarquismo sem adjetivos: a trajetória libertária de Angelo Bandoni entre propaganda e educaçâo, Dissertaçâo (Mestrado) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

19 Sobre Gigi Damiani: Fedeli, Ugo. Gigi Damiani. Note biografiche: il suo posto nell'anarchismo, Cesena, L'Antitato, 1954; sobre Oreste Ristori: Romani, Carlo. op. cit.; sobre Edgard Lourenroth: Khoury, Yara Maria. Edgard Leuenroth, uma voz libertária: imprensa, memória e militância anarco-sindicalista, Sao Paulo, USP, 1989; Neno Vasco: Samis, Alexandre. Minha pátria é o mundo inteiro. Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo revolucionário em dois mundos, Lisboa, Letra Livre, 2009 e Florentino de Carvalho: Nascimento, Rogério H. Z. Florentino de Carvalho. Pensamento social de um anarquista, Rio de Janeiro, Achiamé, 2000.

20 Rey, Didier. Historique des migrations en Corse depuis 1789, PESTEIL, Ph (Org.). Histoire et mémoires des immigrations en région Corse, Corte: Université de Corse - Pascal Paoli, 2008, p. 05.

trabalhadora ainda predominantemente agrária e artesa, que passava por grandes dificuldades e uma miséria crescente. O processo de industrializafao na regiao norte do pais e as periódicas crises económicas geraram um expurgo de proletariados desempregados provocando uma profunda desigualdade social e entre regioes21.

Tais condifoes favoreceram o desenvolvimento do movimento anarquista, sobretudo nas regioes da Toscana (seu berfo), Firenze, Prato, Livorno, Massa, Carrara e dali foi ampliando o seu raio de propagafao por toda a península até 189822, quando experimentou o seu processo de enfraquecimento em razao de uma intensa repressao. Fator preponderante no desenvolvimento dos ideais libertários foi a passagem de Mikhail Bakunin na Itália entre os anos de 1864 a 1867, cujos ensinamentos colaboravam na formafao de dois dos maiores expoentes do anarquismo italiano - Errico Malatesta e Carlo Cafiero23.

Uma das características essenciais do proletário italiano do final do novecentos foi o estabelecimento de um nexo entre o pensamento e a afao, onde a camada mais baixa do proletariado, os braccianti (trabalhadores, jornaleiros ou boia-fria), em "contato com um discurso teórico do socialismo, apropriou-se gradativamente das premissas teóricas anarquistas rejeitando, porém, as práticas de luta da pequena burguesia". O modelo de rea^ao adotado por esse novo contingente anarquista contra a "explorafao de quem os dominava passou a ser sistemática: a realizafao de furtos campestres e o incremento dos bandos armados"24.

Por consequéncia, duas vertentes do anarquismo na Itália se desenvolveram. O 46

individualismo, aqui incluidos os insurrecionalistas, já desde a década de 1870 quando da perseguifao aos trabalhadores internacionalistas após o fim da Comuna de Paris, e o chamado anarco-comunismo, a partir da concepfao originária de Kropotkin e muito defendido por Malatesta desde seu regresso da Argentina ao final da década de 1880. Como a corrente individualista foi mais forte até quase o final do dezenove, percebe-se certa e efémera proximidade de Angelo Bandoni com esta vertente, tendo em vista algumas de afoes á época de sua estadia na Itália. E que afoes foram essas?

O jovem Bandoni nao tinha enderefo e nem destino certo, transitando por distintos lugares da costa tirrénica norte italiana. Todos esses sitios inclusive sob grande influéncia do anarquismo. Depois de constatar a sua primeira aparifao em La Spezia (1886), os registros policiais apontam que ele havia sido preso na comuna de Lucca (1887), na regiao da Toscana, por contrabando de moeda falsa, permanecendo privado de sua liberdade até final de 1890, quando, após ter cumprido a sua pena, retornou pela segunda vez a La Spezia.

No mesmo ano que foi posto em liberdade, Bandoni foi novamente condenado a cinco anos de reclusao por furto, roubo e uso de documento falso. Só que desta vez cumpriu pena na Argélia, colónia administrada pelo Estado da Franfa, já que era francés nato. Em 1895, após ter saido da prisao, retorna pela terceira vez a La Spezia, ocasiao em que foi mais uma vez detido (por nove meses) e definitivamente expulso da Itália. Entre os anos de 1895 a 1900 há divergéncias nos registros policiais. Uma versao menciona que durante este periodo migrou

21 Sobre a Itália na segunda metade do XIX, ver: Biondi, Luigi. Classe e naçao. Trabalhadores e socialistas italianos em Sao Paulo, 1890-1920, Campinas, Ed. Unicamp, 2011, p. 39-40 e Hobsbawm, Eric. A era dos impérios (18751914), 16a Ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2013, p. 183-184, para uma compreensao do universo proletário neste mesmo período.

22 Levy, Carl. Gramsci and the Anarchist, New York, Berg, 1999, p. 07.

23 Pernicone, Nunzio. Italian Anarchism, 1864-1892, New Jersey, Princeton Legacy Library, 1993, p. 03-04.

24 Romani, Carlo. op. cit., p. 32.

clandestinamente para a Argentina, retornando à Itália anos depois. A segunda versao diz que veio para o Brasil e posteriormente retorna à comuna de La Spezia.

Em maio de 1898, uma forte onda de repressao assolou os anarquistas. Com a deflagraçao da revolta contra o aumento do pao, as forças do rei Umberto I (1878-1900) acertaram o cerne do movimento libertário na tentativa de reprimir os "subversivos". Desta forma, iniciou-se uma sequéncia de expulsoes e prisoes por todo o país. Além disso, foi necessário empurrar essa massa proletária para um lugar distante e amenizar as tensoes internas, o que foi providenciado pelo governo italiano através da imigraçao em massa para a América25. Foi exatamente nesse contexto conflitante e de grande repressao, que Bandoni teve a sua expulsao decretada.

No dia 05 de maio de 1900, Angelo Bandoni aportou em Santos, no Estado de Sao Paulo, a bordo do vapor Città di Genova. Veio sozinho em busca de novos rumos na América. Tinha apenas 30 anos e do Brasil jamais se mudou, permanecendo no país por mais de 47 anos.

Quando chegou a terras brasileiras, residiu em uma área rural na zona oeste do Estado de Sao Paulo, denominada Água Virtuosa. Possivelmente nesse momento deve ter trabalhado no campo como colono agrícola, fenómeno muito comum junto aos italianos recém-chegados ao país no final do oitocentos. Em um segundo momento, muda o local de sua residéncia para o centro urbano paulistano, mais especificamente no bairro do Bom Retiro (regiao onde abrigou grande quantidade de imigrantes italianos). 47

A escravidao havia sido recentemente abolida (1888) e a República acabara de ser proclamada (1889) quando adentrou ao país. O parque industrial nacional ainda era muito incipiente e se restringia ao Estado de Sao Paulo e Rio de Janeiro. Quer dizer, o movimento de trabalhadores operários ainda estava germinando. Portador de certo capital libertário adquirido no exterior, assim como diversos militantes, Bandoni contribuirá ativamente na formaçao da massa trabalhadora organizada, sobretudo propagando as ideias anarquistas.

As suas açoes libertárias tiveram maior énfase na propaganda e na informaçao dos trabalhadores. As práticas mais "subversivas", aquelas cometidas no estrangeiro, haviam si do deixadas para trás. Entrava em cena agora um novo Bandoni, mais intelectualizado e maduro. Tanto é assim, que durante o período em que esteve no Brasil, escreveu em diversos periódicos26 e também foi responsável pelas ediçoes de alguns outros que ganharam notabilidade27. Além disso, realizou conferéncias, organizou escolas e ainda teve tempo para escrever poesias.

25 Levy, Carl. op. cit., p. 06.

26 Como por exemplo: com a participafao, em 1900, de alguns artigos no periódico Palestra Social, cuja direfao pertencia ao anarquista Tobia Boni. A partir de 1904, contribuiu recorrentemente nas páginas do implacável jornal editado por seu grande companheiro de luta Oreste Ristori, o já referido La Battaglia. Quando o La Battaglia chegou a seus momentos finais (1912), passa a ser editado sob outro nome - La Barricata, o qual teve sobrevida até outubro de 1913. Bandoni também participou como redator em algumas edifoes. Em julho de 1913, faz presenfa no periódico organizado pelo anarquista Alessandro Cerchiai, La Propaganda Libertaria.

27 Produto do circulo libertário Germinal, em fevereiro de 1902, Bandoni funda um periódico com o mesmo titulo. Em 1915, organizou o periódico Guerra Sociale, que ousaria fazer as vezes do La Battaglia de Ristori. Foi diretor-responsável até a edifao de n. 16, quando Gigi Damiani assume a direfao. Este jornal durou até o ano de 1917 e teve papel crucial na organizafao da greve geral de Sao Paulo em 1917. No ano de 1919, editou o jornal Alba Rossa, contribuindo até a edifao de n. 11. O jornal teve breve durafao, intercalada por sucessivas interrupfoes, encerrando as suas atividades definitivamente em 1934. Bandoni havia deixado o Alba Rossa em 1919 para dar prosseguimento ao seu antigo periódico - o Germinal!, que encerra no mesmo ano.

Além de grande articulista, Bandoni também tem sido reconhecido por suas afoes no campo da educafao libertária. A sua prática pedagógica, que vai se aperfeifoando e se profissionalizando com o decorrer do tempo de estadia no Brasil, ganhou reconhecimento, inclusive, no interior da comunidade italiana a qual fez parte.

Após ter-se deslocado do interior paulista em direfao ao centro urbano da capital paulistana, Bandoni passa a ser reconhecido pela alcunha: o professor, tamanho o seu vinculo com a arte do ensino. Essa experiéncia pedagógica foi sendo adquirida na prática cotidiana e na aplicafao de um método especifico baseado em suas leituras28.

Os últimos momentos da vida de Bandoni nao sao precisos. Os seus artigos vao pouco a pouco desaparecendo das páginas da imprensa anarquista remanescente. As suas pegadas somem, mas alguns de seus rastros ainda sao encontrados até meados da década de 1940. Permanece morando no mesmo bairro (Bom Retiro) com a sua esposa até o ano de seu falecimento (1947). Ao que se sabe, nao morreu como um mártir como tantos outros anarquistas. Provável que tenha deixado a vida pelo avanfar da idade, o corpo cansado e vencido pela velhice, mas com a mente convicta de seu anarquismo.

Os anos 1940 no Brasil foram exigentes com os libertários. Encontravam-se espremidos; de um lado o trabalhismo varguista e a repressao do Estado Novo; do outro, o comunismo ganhava terreno entre a classe proletária. Diante desta realidade, certamente a sua trajetória e seus escritos á época nao foram reconhecidos por seus pares e cairam no esquecimento dos frios dados estatisticos. Assim, acabou nao sendo lembrado nem pelos 48

anarquistas organizados que sobraram, nem pela atual escrita da história (ou historiografia) sobre o respectivo tema.

O anarquismo sem adjetivo de Angelo Bandoni

Desde os primeiros anos em que Angelo Bandoni chegou ao Brasil tratou de firmar posifao contrária quanto á organizafao dos trabalhadores anarquistas em sindicatos. Em seu jornal Germinal, por exemplo, no més de outubro de 1902, parafraseou ironicamente o discurso feito pelos adeptos das organizares contra os patróes ao escrever que: "nós continuaremos a trabalhar para vocés, porque nascemos para trabalhar; mas apenas nas seguintes condifóes: queremos mais respeito! Mais salário! E menos trabalho". Mas que, apesar de tais propostas, os locais de resisténcia dos anarquistas deveriam permanecer sendo as habituais localidades de propaganda, como as oficinas, os cafés e a reuniao pública, portanto, nao haveria necessidade da via sindical.

Os trabalhadores (...) se encontram em qualquer lugar: os lugares públicos, nas oficinas, nas associafoes operárias de qualquer tendéncia. É nestes lugares que nós devemos alcanfa-los, falar-lhes das injustifas quotidianas, das privafoes imerecidas, da atrevida e bárbara opuléncia dos patroes, visando promover e agravar a intolerancia. Devemos voltar os olhos para as mistificafoes, pó-las em guarda contra as falsas promessas e antecipar-lhe -com lógica - a experiéncia dos meios termos. Agindo de tal forma, estamos

28 Ver: Benevides, Bruno Correa de Sá e. A educa^ao libertária como "nova tendencia revolucionária": as experiéncias pedagógicas de Angelo Bandoni, Revista Latino-Americana de História, vol. 7, n. 19, jan./jul., 2018.

seguros de nao ter que dar golpes no voto e de conduzir uma contribuiçao válida à emancipaçao proletária29.

Para Bandoni, o problema das organizaçoes, e principalmente as sindicais, seria a reuniâo das massas, entendidas como inconscientes, pertencentes aos "pobres de espírito que se deixam facilmente enganar-se pelo primeiro charlatâo", que, sendo possuidores de uma boa retórica, seriam capazes de desviar os trabalhadores conscientes do seu objetivo principal. Deste modo, a via organizativa deveria ser um meio e nao um fim em si mesma30.

A partir de março de 1905, no jornal La Battaglia, Bandoni elaborou uma sequéncia de artigos sobre as organizaçoes operárias. Nessa ocasiao, argumentou ser legítima a intençao daqueles que pretendem resistir contra as imposiçoes patronais por meio de tendéncias associativas, mas desde que tal proposiçao possibilite, por meio da solidariedade profissional, o desenvolvimento de "uma maneira que - de reivindicaçao em reivindicaçao - possa conduzir a bela e a completa emancipaçao da tríplice tormenta: económica, política e moral" do proletariado. Contudo, da maneira como vinham sendo concebidas, nada mais seriam que a manifestaçâo exuberante de um corporativismo com a "preponderancia parlamentar do elemento reformista-democrático-social" e, "diga o que disserem, os socialistas e os anarquistas da organizaçao operária, nunca poderao prescindir da fatalidade económico-política de um dominio parasitário"31. Neste mesmo texto, aproveita para denominar-se antiorganizador32, fato que, certamente, contribuíra para que aumentasse ainda mais a sua 49

proximidade com tal vertente, tanto entre os demais militantes quanto para a historiografia atual. No entanto, alguns fatos posteriores precisam ser invocados para rechaçarmos esta posiçao.

Em razao de tais críticas feitas aos defensores das organizaçoes operárias, Angelo Bandoni se envolveu em uma grande polémica com Giulio Sorelli, anarquista italiano defensor do sindicalismo revolucionário e residente no Brasil desde 189 3 33. Sorelli rebateu os

29 "I lavoratori (...) si trovano ovunque: nei luoghi pubblici, nelle officine, nelle associazioni operaie di qualunque tendenza. E' in questi luoghi che noi dobbiamo raggiungerli, parlargli delle ingiustizie quotidiane, dele immeritate privazioni, della sfacciata e incivile opulenza dei padroni, onde promuovere ed acuire l'insofferenza. Dobbiamo schiudergli gli occhi alle mistificazioni, metterli in guardia contro le false promesse e anticipargli - colla logica -l'esperienza dei mezzi termini. Agendo in tal guisa, siamo sicuri di non dover dare colpi nel vuoto e di portare un contributo valido all'emancipazione proletária" (Germinal, n. 17, 18 de outubro de 1902, "Nuovo giornale").

30 "Organizem-se! Grita o povo triste; a uniao faz a força'. E organizem-se portanto; mas, misericórdia, organizados que faremos mais? A organizaçao é um meio!... É preciso um fim para conseguir. Como utilizaremos este meio? Qual o fim que com isso poderemos alcançar?" ("Organizzateve! si grida al popolo gramo; l'unione fa la forza. E organizzateve dunque; ma, di grazia, organizzati che faremo mai? L'organizzazione è un mezzo!... ci vuole un fine da conseguire. Come impieghieremo questo mezzo? quale il fine che, con esso potremo raggiungere" Germinal, n. 20, 29 de novembro de 1902, p. 02, "Lo Stato presente della lotta di classe").

31 "Dato pure l'incremento più florido, più rigloglioso del corporativismo, checchè ne dicano i socialisti e gli anarchisci dell'organizzazione operaia, non se potrà mai prescindere dalla fatalità econômico-politica d'un dominio parassitario e di coercisione" (La Battaglia, n. 35, 19 de março de 1905, p. 01, "L'Organizzazione Operaia (II)").

32 "(...) Deixamos portanto aos paladinos do reformismo o recrutamento da milícia corporativista; nós antimilitarista, antiorganizadores - chamamos os desertores do nosso caminho. O anárquico - na propaganda -nao deve buscar harmonizaçâo ficticia de entendimento, nao deve ser imóvel a mania de fazer número: o oportunismo - em tática - é uma miragem que conduz ao desastre" ("La siamo dunque ai paladini del reformismo il recrutamento della milizia corporativista; noi - antimilitariste antiorganizzatore - chiamiamo i disertori sulla mostra via" La Battaglia, n. 35, 19 de março de 1905, p. 01, "L'Organizzazione Operaia (II)").

33 Toledo, Edilene. Travessias Revolucionárias: ideias e militantes sindicalistas em Sao Paulo e na Itália (18901945), Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.

argumentos de Bandoni ressaltando algumas contradifoes em seus discursos. Na primeira, questionou como seria possivel invocar a solidariedade entre o proletariado e, ao mesmo tempo, desprezar o esforfo empreendido pelos trabalhadores espalhados pelo mundo na tentativa de criar associafóes operárias, fato que, para o sindicalista, seria a maior prova "dos la^os solidários"34.

iНе можете найти то, что вам нужно? Попробуйте сервис подбора литературы.

Já a segunda contradifao apontada por Sorelli, e que possui grande relevancia para esta pesquisa, ocorre quando, ironicamente, comentou que até mesmo o "antiorganizador Bandoni", em uma carta enviada ao jornal Avanti!, defendia a conformafao dos professores de Sao Paulo em uma organizafao especifica visando melhorias salariais desta categoria:

(... )

Uma prova: Bandoni, o nosso contraditor, é antiorganizador convicto. No entanto, quando os próprios interesses entram em baila, e quando o melhoramento económico da classe a qual pertence é prejudicado é fato sentir como uma necessidade; ora Bandoni se esquece de ser antiorganizador [...] e das suas opinioes abstratas, e escreve uma carta ao Avanti! patrocinando a ideia de uma organizafao entre os professores.

(..O35

Em respostas ás provocafoes de Sorelli, Bandoni rebatera que, apesar de sua posifao, ele nao poderia "censurar o anarquista, o qual entra em uma liga profissional" visando á defesa de seus direitos. Entretanto, o que para ele seria intolerável é a possibilidade de um militante se inserir na via sindical, e a partir dai deixar de lado o desejo pela revolufao e contentar-se apenas com os ganhos imediatos:

50

(... ) O que eu nao poderei tolerar é quando qualquer anarquista entra, infiltra-se em uma liga operária e tendo tomado o gosto, se mete a fazer propaganda institucional e ousasse, além disso, beber a todo custo conscientes e inconscientes dos beneficios alcanfáveis com resisténcia, com a luta corporativista sao tais que nos faz esquecer a propaganda revolucionária. Como nao poderei tolerar que os quatros companheiros (... ) viessem para magnificar a praticidade da corporafao, no regime capitalista.36

Assim, sem uma explicafao plausivel e de forma um tanto contraditória, Bandoni argumentava que ninguém podia "impedir o mestre republicano de fazer propaganda republicana, o socialista de fazer do socialismo", como, de igual modo, nao seria poss ivel "impedir o anarquista antiorganizacionista de combater todas aquelas associafóes

34 La Battaglia, n. 36, 26 de março de 1905, p. 01.

35 "Una prova: Bandoni il nostro contradittore, è antiorganizzatore convinto. Eppure quando gli interessi propri sono entrati in ballo, quando il miglioramento economico della classe alla quale appartiene si è fatto sentire come una necessità; ebbene, allora Bandoni si dimentica di essere antiorganizzatore [...] le sue vedute astratte e scrive una lettera suW'Avanti! patrocinando l'idea di uma organizzazione fra gli insegnanti" (La Battaglia, n. 36, 26 de março de 1905, p. 01, "Ancora sulle organizzazione").

36 "Ció ch'io non potrei tollerare si è che quell'anarchico entrato, infiltratose in una lega operaia ed avendovi preso gusto, si mettesse fare propaganda istituzionale e osasse por di piu far bere ad ogni costo a coscienti ed incoscienti che i benefici conseguibili colla resistenza, colla lotta corporativista siano tale da farci trasenrare la propaganda apertamente rivoluzionaria. Come non potrei tollerare che i quattro compagni fornai (...) venissero a magnificatei la praticità della cooperazione, in regime capitalista" (La Battaglia, n. 36, 26 de março de 1905, p. 01, "Prima che si prenda una cantonata").

profissionais que pretendem ser suficientes para combater a luta de classes"37. Contudo, a despeito do seu argumento, a questao de fundo, para o seu contraditor, era a sua critica feita ás organizafoes no plano teórico, e, paradoxalmente, na prática, defender, quando de seu interesse, o seu uso em busca do melhoramento económico da categoria a qual fazia parte.

Diante desse nitido contrassenso, o editor do jornal La Battaglia, Oreste Ristori, sai em defesa de Bandoni e argumentou que a pretensao de seu companheiro foi esclarecer que, se as organizafoes possuissem como objetivo unicamente a propaganda revolucionária, em tais casos, as associafoes seriam válidas, mas, nao sendo esta a hipótese, a sua existéncia nao haveria utilidade:

E acima de tudo, uma explicaçâo de grande utilidade: somos nós organizadores? Sim e nâo. Sim, se a organizaçâo deve servir como meio para difundir mais largamente e em modo mais brusco uma educaçâo revolucionária nas massas; nâo, se a organizaçâo deve exaurir as forças do proletariado em um movimento tendente a conseguir dos melhoramentos impossíveis no regime capitalista. Em termos mais explícitos, nâo acreditamos em uma certa utilidade as organizaçoes operárias que para a propaganda doutrinária que podem por dentro. O resto, é tudo ruído, clamor, clamor inútil, tempo pessimamente gasto, trabalho de demoliçâo e regresso.38

Outro ponto tratado por Bandoni ainda no ámbito das organizaçoes profissionais foi a questâo da greve em busca do melhoramento económico de uma determinada categoria. No periódico L'Azione Anarchica, publicado em novembro de 1905, defendeu que a greve precisava ser entendida como o "sinal precursor da revoluçâo", nâo devendo ser tratada apenas como um artifício para que o operariado obtivesse ganhos no tocante à relaçâo trabalhista, da forma como pretendia o corporativismo sindical. Ademais, de acordo com o seu entendimento, a conquista de melhorias impediria que os trabalhadores, "constrangidos pela fome", ocupassem as praças, pois "quanto maior será o número destes condenados, tanto maior a probabilidade de ver estourar" o processo revolucionário, e que para este fim a associaçâo operária seria fundamental. Por esta razâo, concluiu nâo ser ilegítima a greve por ganhos imediatos, mas desde que nâo inibisse a referida Revoluçâo Social

(...) Depois que o trabalhador começou a conhecer os seus direitos naturais ele mesmo se uniu com os outros seus companheiros e nas associaçoes juntamente estabeleceram as bases de suas lutas, e de luta em luta conquistam aqueles pequenos melhoramentos possíveis no círculo de ferro

51

37 "Tutto ció non puó impedire al maestro repubblicano di fare propaganda republicana, al socialista di fare del socialismo, come non potrebbe impedire all'anarchico antiorgazzatore di combattere tutte qualle associazione professionale che pretendono essere (...) per combattere la battaglia di classe" (La Battaglia, n. 36, 26 de mar^o de 1905, p. 01, "Prima che si prenda una cantonata").

38 "Ed anzituito, una spiegazione di somma utilita: siamo noi organizzatori? Si e no. Si, se l'organizzazione deve servire come mezzo per diffondere piu largamente ed in modo piu spiccio un'educazione rivoluzionaria nelle masse; no se l'organizzazione deve esaurire le forze del proletariato in un movimento tendente a conseguire dei miglioramenti impossibili in regime capitalista. In termini piu espliciti, non reteriamo di una certa utilita le organizzazioni operaie che per la propaganda dottrinaria che vi si puó far dentro. Il resto, e tutto chiasso, clamore inutile tempo pessimamente sprecato, opera di demolizione e di regresso" (La Battaglia, n. 37, 02 de abril de 1905, p. 01, "Gli anarchici e il Corporativismo").

do organismo capitalístico, sem perder de vista o objetivo precípuo da Revoluçao Social (...)39.

Na ediçao de fevereiro de 1912 do periódico La Battaglia, Angelo Bandoni, em um artigo intitulado "Descendo à praça", ressaltou dois movimentos populares urbanos que emergiram nesta ocasiao40. O primeiro foi o reavivamento da Liga dos Inquilinos de 1907 que pretendia a uniao dos inquilinos contra o encarecimento dos aluguéis, já o segundo ansiava pela criaçao de um Comité de agitaçao conta a alta do custo de vida. A elevaçao dos aluguéis decorria, segundo Bandoni, da omissâo do governo no controle dos "impostos", isto é, das locaçoes. Deste modo, seria preciso sensibilizar o poder para que pusesse fim a este arbítrio dos proprietários. Para ele, dever-se-ia exercer uma açao ostensiva, nos domínios urbanos, apropriar-se da cidade a fim de expor ao poder público as reivindicaçoes dos operários-inquilinos "tomando a praça", o que, simbolicamente, significaria extrapolar as fronteiras das ruas operárias, adentrando áreas de uso socialmente diferenciado, como sao as referidas praças41.

Ainda de acordo com Bandoni, já existiria em Sao Paulo um grande movimento organizado, com subcomités em vários bairros, que lutava contra os altos aluguéis. Esses subcomités funcionavam no Bom Retiro, Barra Funda, Água Branca, Lapa, Brás, Mooca, Belenzinho, mas decaíram por "falta de agitadores, nâo de bons propósitos"42.

A linha de açao proposta por Bandoni, no episódio em apreço, é de grande relevância 52

na medida em que, mais uma vez, contradiz a sua "tendência" antiorganizativa, uma vez que ele sugeria que um comité de agitaçao se formasse, a fim "de mobilizar um Exército Locatário", cuja funçao seria diminuir os poderes dos proprietários. Para compor este exército, seriam convidados representantes de "todas as associaçôes populares" e se constituiria um comité central composto de "outras pessoas", excluindo-se aquelas que "sempre dominam tudo", numa clara mençao a predominância de italianos nos movimentos políticos. A atuaçao se faria através de conferências, formaçao de subcomités, convites "nos muros" e artigos em jornais.

39 "Dopo che il lavoratore ha cominciato a conoscere i suoi diritti naturali e se stesso si unisce con gli altri suoi compagni e nell'associazione insieme stabiliscono le basi della loro lotta, e di scaramuccia in scaramuccia conquistano quei piccoli miglioramenti possibili nella cerchia di ferro dell'organismo capitalistico, senza perdere di vista lo scopo precipuo della rivoluzione sociale [...]" [L'Azione Anarchica, 19 de novembro de 1905, "Il corporativismo e la rivoluzione".

40 Sobre o contexto ver: "A conjuntura que cerca o processo de acumulaçao industrial repleta de crises que mudam o panorama da produçao e do consumo, do trabalho e do salário, muito rapidamente, por vezes no espaço de um ano. Nesse sentido, 1912 marca a grande retomada do crescimento industrial, em que alguns setores industriais têm uma alta demanda de trabalhadores qualificados, pagam salários melhores do que a média, enquanto em outros há desemprego. Houve uma elevaçao salarial do quarto trimestre de 1911 ao primeiro trimestre de 1912, alcançando até junho. Neste mês inicia-se um rápido declinio salarial e os preços dos gêneros alimenticios se elevam, atingindo o preço máximo do ano em dezembro de 1912" [BLAY, 1985].

41 La Battaglia, n. 341, 1Q de fevereiro de 1912, "Scendiamo in piazza!".

42 Propôe o articulista que o movimento recomesse, pois, só em Sao Paulo, "sao 50 mil familias" que tem o mesmo problema do aluguel alto para casas insalubres e sem conforto. Três meses após o movimento de fato se alastrou e conseguiu adesao de várias associaçôes ["Noi sappiamo, tuttavia, che - se il movimento iniziato in S. Paulo, di un comitato abbastanza numeroso - non fosse stato abbandonato subito, in mano di tre o quattro soltanto, um risultato soddisfacente si sarebbe ottenuto. Ricordiamo che si erano già costituiti dei sottocomitati al Bom Retirp, a Barra Funda, a Agua Branca, alla Lapa, al Braz, alla Mooca, al Belemzinho ecc. Sono mancati gli agitatori, non i buoni propositi. (...) Solo in S. Paulo sono circa cinquantamila famiglie immerse che non protestano, che non si ribellano [...]", La Battaglia, n. 341, 10 de fevereiro de 1912, "Scendiamo in piazza!").

Pensava Bandoni que seriam assim arregimentados cerca de "50 mil combatentes que seguirao resolutos para o campo de batalha: a pra^a"43.

Assim, por esta e outras tendéncias organizativas, frisa-se, um tanto contraditórias, vale registrar que Angelo Bandoni foi apenas um profundo critico das organizafoes mais verticalizadas (como partidos e sindicatos), já que em algumas ocasioes ressaltou positivamente o papel dos agrupamentos formados por trabalhadores, mas desde que nao centralizados, e que nao os desviassem do foco principal que seria a afao revolucionária. No tocante a esta contradifao, como defendeu Pierre Bourdieu, a trajetória biográfica de qualquer individuo é repleta de variafoes, onde o mesmo ser é capaz de transitar por diferentes campos e por distintas zonas no interior do mesmo campo44.

Deste modo, portanto, acreditamos que o antissindicalismo de Angelo Bandoni possui outra explicafao histórica. Queremos com isso dizer que a sua aversao aos sindicatos é mais um reflexo da desconfianfa gerada pela experiéncia sindical italiana, que do fim do oitocentos até a primeira década do século XX, foi lugar hegemonizado pelo socialismo (tanto o de énfase mais reformista, quanto o de matriz revolucionária). Como bem salientou Maurizio Antonioli, a corrente sindicalista revolucionária italiana, que tendeu a adotar o termo em uso na Franfa, fez "parte da esquerda revolucionária do partido socialista, e que ela reivindicará sempre a sua origem socialista e a inspirado marxista de suas próprias ideias"45. Ainda segundo o autor, o movimento sindicalista (revolucionário ou reformista) iniciou a "sua atividade no interior do P.S.I46 (Partido Socialista Italiano, criado em 1892)"47. 53

Essa conjuntura inicial do sindicalismo italiano possibilita, de certo modo, explicar o descrédito de Bandoni (assim como outros anarquistas de origem italiana em Sao Paulo) em relafao ás associafoes profissionais. Durante o seu contato preliminar com os ideais libertários nas regioes italianas da Toscana e da Ligúria, quando era ainda jovem (18881900), os sindicatos estavam sendo ocupados ideologicamente pelo socialismo. Esta percepfao, sem dúvida, irá influenciar, mais tarde, já no Brasil, suas posifoes em relafao ás organizafoes operárias.

Esta zona de influéncia, em seus textos, ficou bastante evidente a partir de um longo debate travado com o anarquista de origem espanhola, Florentino de Carvalho, nas páginas do periódico Guerra Sociale, acerca da organizafao dos trabalhadores anarquistas em sindicatos. Na ocasiao, Bandoni ressaltaria que o sindicalismo, mesmo aquele de caráter revolucionário, nao trazia em seu conteúdo nada que possibilitasse, de fato, a revolufao social, pois, para ele "é inútil, falsas ilusóes", porque ao conciliar com os "patróes, os usurpadores, os parasitas", os sindicalistas revolucionários proporiam uma revoluto que "nao virá a transformar a propriedade de privada, em comum; nós, pobres renegados, teremos sempre o pior. O anárquico sindicalista nao pode fazer mais"48.

43 La Battaglia, n. 341, 10 de fevereiro de 1912, "Descendo a pra^a".

44 Conferir: Bourdieu, Pierre. A ilusäo biográfica, Ferreira, Marieta de Moraesa e Amado, Janaina (org.). Usos & abusos da história oral, 8.ed., Rio de Janeiro, FGV, 2006.

45 Antonioli, Maurizio. A U.S.I. O Sindicalismo Revolucionário Italiano, Colombo, E. e Colson, D. et al. (orgs), História do movimento operário revolucionário, Säo Paulo, Imaginário, Säo Caetano do Sul, IMES, 2004, p. 193.

46 Somente a partir de novembro de 1912, com o nascimento da Uniäo Sindical Italiana (U.S.I.), cuja adesäo atingiu cerca de um milhäo de trabalhadores de distintas categorias, presenciou-se uma maior participado dos anarquistas no ámbito sindical (Ibid., p. 198-199).

47 Ibid., p. 193-194.

48 "E inutile farsi illusioni; fino a tanto che vi saranno dei padroni, degli usurpatori, dei parassiti, fino a tanto che una rivoluzione tremenda non verrá a trasformare la proprieta, di privata, in comune, noi, poveri diseredati,

Em resposta, Florentino de Carvalho afirmaría que Bandoni estaría sendo injusto ao julgar as organizares operárias observando "apenas o seu lado crítico", "principalmente nos países onde ela tomou um caráter mais conservador" ao serem ocupadas pelos socialistas49. Em outro artigo, ainda sobre esta mesma polémica50, o anarquista espanhol51 defendeu que, ao contrário da afirmativa de Bandoni, as afóes dos militantes ácratas nas associafóes nao eram inúteis, nao se limitando apenas á tarefa de representá-las nos congressos, e que a dura repressao sofrida pelos libertários demonstrava a tonalidade revolucionária que possuiam52.

Apesar das criticas contundentes ás organizafóes, os julgamentos proferidos por Angelo Bandoni se orientaram mais especificamente em relafao ás associafóes de trabalhadores (sindicatos), pois, na prática, como já ressaltamos, por diversas vezes o encontramos envolvido na formafao de circulos, de escolas libertárias e até mesmo realizando solicitafao burocrática perante a Administrafao Pública para a concessao de licenfa de funcionamento de um "sindicato". Em consulta a edifao do dia 18 de junho de 1912 do jornal Correio Paulistano, tivemos o conhecimento do seguinte despacho proferido pelo Secretário do Interior do Estado de Sao Paulo em razao desta solicitafao:

Atos Oficiais - Oficios despachados:

Do professor Angelo Bandoni, de Cándido Rodrigues, comunicando ter

constituido um sindicato para colaborafao, defesa e fiscalizafao dos colonos 54

da zona53.

Em que pese esse aparente paradoxo, Bandoni, durante o ano de 1912, passou a residir, com a sua familia, no municipio paulista de Cándido Rodrigues. Foi nessa ocasiao que organizou a sua terceira experiencia de escola libertária (Escola Moderna de Cándido Rodrigues). Por essa razao, acreditamos que esta solicitafao para a constituifao de um sindicato seja, na verdade, um pedido de autorizafao para o funcionamento desta unidade escolar, e nao a formafao de uma associafao profissional. É que a legislafao especifica vigente á época considerava ser sindicato qualquer grupamento destinado ao estudo, custeio e a defesa dos interesses dos trabalhadores rurais54.

avremo sempre peggio. L'anarchico sindacalista non puó far di piú" (Guerra Sociale, n. 08, 27 de novembro de 1915, p. 04, "L'anarchico sindicalista").

49 Guerra Sociale, n. 08, 27 de novembro de 1915, p. 04, "Atitude dos Anarquistas ante o movimento operário. Palestrando com os amigos redatores da Guerra Sociale".

50 Que segue na edifao seguinte, ver: Guerra Sociale, n. 12, ano II, 08 de janeiro de 1916, p. 03, "Pro e Contro il Sindacalismo".

51 Cabe ressaltar a posifao de Florentino de Carvalho ao contra-argumentar Bandoni. Ele auto se denomina anarquista sem adjetivo, e que o seu apoio as organizares nao pode resultar em um rótulo: "Já, no procedente artigo, declarei que sou anarquista... sem adjetivos. O simples fato de adoptar incidentalmente a organizafao operária como um meio fator de emancipafao da Humanidade, me obriga, de modo algum a arvorecer o rótulo de sindicalista, que fica bem unicamente aos individuos cujas aspirafóes nao vao além da luta de classes, do melhoramento económico, ou de uma organizafao social futura sob as bases puramente sindicalistas" (Guerra Sociale, n. 10, 11 de dezembro de 1915, p. 03, "Pro e contro il Sindacalismo").

52 Guerra Sociale, n. 10, 11 de dezembro de 1915, p. 03, "Pro e contro il Sindacalismo".

53 Correio Paulistano, 18 de junho de 1912, p. 05, "Atos Oficiais".

54 Ver art. 1° do Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903: "é facultado aos profissionais da agricultura e industrias ruraes de qualquer genero organizarem entre si syndicatos para o estudo, custeio e defesa dos seus interesses" (sic).

De todo modo, tal fato serve para mitigar essa percepfao antiorganizacionista cunhada em torno de Angelo Bandoni e que ele próprio ajudou a forjar, mesmo que com contradifóes á parte. Por outro lado, ainda a respeito de sua tendencia antissindicalista, cabe pontuar que a posifao de Bandoni dentro do movimento libertário implica realizar uma distinfao entre aqueles contrários aos sindicatos, mas que nao eram adeptos integralmente do individualismo italiano (esses últimos seguidores, por exemplo, de Luigi Galleani, e que serao denominados insurrecionalistas).

Essa integral proximidade com as ideias galleanistas nao se comprova na prática. Durante duas décadas como articulista, jamais chegou a mencionar em seus textos qualquer indicio dessa influencia. Além disso, durante o periodo em que Bandoni ainda residia na Itália (1886-1900), Luigi Galleani migrava do republicanismo para o socialismo (1881-1885), quando passou, inclusive, a fazer parte do Partito Operario Italiano, partido este que viria se transformar no entao PSI, em 18 9 2 55. Portanto, Galleani nao tinha se convertido em um anarquista. Sua proximidade com a percepfao libertária apenas aconteceria em 189256, e a defesa de sua proposta antiorganizacionista57 e insurreicionária teria se vislumbrado, principalmente, nos Estados Unidos onde residiu entre 1901 e 1919"58. Porém, o que merece ser frisado é que neste momento Angelo Bandoni já havia iniciado a produfao de seus textos (1900), e de forma incipiente já vinha firmando posifao contrária ás organizafóes.

O que é possivel verificar de fato, pela análise das fontes, foi um forte trafo de proximidade com o comunismo anárquico de Errico Malatesta, na medida em que prosseguiu 55

como um grande defensor da solidariedade anárquica, defendendo que o anarquismo do ponto de vista económico deveria seguir as bases do comunismo (ou seja, uma tendencia mais comunitária), e, no plano politico, necessitaria trilhar pelos ideais libertários. Ademais, chegou a fazer clara critica aos individualistas. Vejamos em detalhe o seu pensamento:

[...] Onde nao existem leis coercitivas, os homens querem ser iguais no direito de consumir; onde existem leis, a anarquia é absolutamente impossivel.

Nao sao anarquistas - para nós - todos aqueles individualistas em seu sentido estrito, ou mais claramente os amorfos.

A Anarquia é, para nós, um organismo, uma forma, da qual a única forma coesiva será a solidariedade. (...)

55 Senta, Antonio. Luigi Galleani e l'anarchismo antiorganizzatore. Itália, Edizioni Bruno Alpini, 2012, p. 18-19.

56 De acordo com Antonio Senta, "in August 1892 he attended the Congress of the Partito operaio italiano in Genova with Pietro Gori, both representing the anarchists. It was an important event because it marked officially the division between anarchists and legalitarian socialists and Galleani played a major role in it pushing for the split" (Ibid., p. 21).

57 Mesmo assim, nao rechazamos totalmente a ideia de que Luigi Galleani tenha influenciado os anarquistas italianos em Sao Paulo, e especialmente Bandoni. Porém, tal afirmado é especulativa, na medida em que praticamente nao fez referencia sobre Galleani. Portanto, apenas é possível fazer aproximares ligeiramente teóricas, como esta: "Galleani was among those anarchists who concluded that any artificial or formal organization is unnatural and therefore authoritarian, because the association is the nature's rule. (...) Besides, he drew from Kropotkin that history was a perpetual struggle between freedom and authority, going towards the complete success of freedom, only attainable through a massive social revolution capable of dispossessing the bourgeoisie's wealth and destroying the State in order to establish a free communist regime" (Ibid., p. 23). Podemos perceber um pouco dessa tendéncia nos textos de Bandoni, mesmo assim de forma aproximativa.

58 Ibid., p. 17.

ANÁRQUICO é sinónimo de SOLIDÁRIO. Com SOLIDARIEDADE se vence; com SOLIDARIEDADE se pode viver anarquicamente.

(... ) nós entendemos por anarquista de pensamento tanto aquele que nao evita o uso da violéncia, quando com a violéncia se pode frear a injustifa sistemática ou afetar a resolufao do problema social, quanto que, em economia, se afirmam comunistas, e, na politica, Libertários.59

Esta proximidade com as ideias malatestinianas de Angelo Bandoni nao seria uma excepcionalidade. Como bem salientou Edilene Toledo, no Brasil diversos anarquistas iriam defender a ideia de que a forma organizativa da sociedade após o processo revolucionário seria, "no plano teórico, na forma do anarco-comunismo, cujos maiores representantes foram Kropotkin e Malatesta"60.

No tocante ao papel da solidariedade como única possibilidade para a existéncia do anarquismo, como evidenciado no texto de Bandoni, esta mesma compreensao pode ser encontrada nas palavras de Malatesta ao mencionar que "somente a mais completa aplicado do principio da solidariedade pode destruir a luta, a opressao e a explorafao, e a solidariedade só pode nascer do livre acordo, da harmonizado espontanea e desejada dos interessados"61.

Para a perspectiva do comunismo anárquico, a primeira obrigafao, quando a revolufao viesse á tona e rompesse o sistema vigente, seria realizar imediatamente o comunismo libertário, que corresponderia a um comunismo sem governo, pertencente aos 56

homens livres62. E, diferentemente do coletivismo, onde a remunerafao seria proporcional ás horas de trabalho dedicadas por cada pessoa á produfao das riquezas, na perspectiva anarco-comunista "todos os produtos do trabalho - comida, roupas, moradia, e tudo mais o que for útil - estarao sob posse comum da sociedade. Todos poderao usá-los livremente, e todos usufruirao de toda a riqueza de maneira comum". No comunismo, cada um trabalharia na medida de suas possibilidades e consumiria na medida de suas necessidades - um sistema que exigiria um aprofundamento ético sem precedentes e a garantia de que se cooperaria em tal sentido63.

Na edifao de abril de 1905 do jornal La Battaglia, Bandoni publicou um artigo em forma de diálogo entre duas personagens ficticias, Vittorio e Beppino. Essa estratégia de escrita, na verdade um artificio lúdico, que muito se aproxima de alguns escritos do próprio Malatesta (como nos textos Entre Camponeses e No Café), pretendia nao subordinar o leitor

59 "Dove non vi sono leggi coercitive, gli uomini vogliono essere eguali nel diritto di consumare; dove vi sono delle legge, l'anarchia e assolutamente impossibile. Non sono anarchici - per noi - tutti gli individualisti nello scopo, o piu chiaramente: gli amorfisti. L'Anarchia e per noi, un organismo, uma forma, di cui unica forza coercitiva sara la solidarietá. (...) ANARCHICO e sinonimo SOLIDARISTA. Colla SOLIDARIETÁ si vince; colla SOLIDARIETÁ si puo vivere anarchicamente. Concludiamo dicendo: si chiamino pure cogli appellativi piu veaghi di Amorfisti, Naturisti, Nichilisti, ecc., noi riteniamo per anarchici di pensiero [...] coloro che non rifuggono dalla violenza, quando colla violenza si puo frenare l'ingiustizia sistematica o affrettare la risoluzione del problema sociale, coloro che, in economia, si affermano comunisti e, in politica, Libertari" (La Battaglia, n. 11, 4 de Setembro de 1904, p. 02 e 03, "Distinguiamo").

60 Toledo, Edilene. op. cit., p. 47.

61 Malatesta, Errico. Um pouco de teoria, Escritos Revolucionários, Sao Paulo, Novos Tempos, 1989, p. 12-13.

62 Kropotkin, Piotr. A Conquista do Pao, Lisboa, Guimaraes editores, 1975, p. 46 e 51.

63 Marini, Gualtiero. Revolufao, anarquia e comunismo: ás origens do socialismo internacionalista italiano (18711876), 378 f., Dissertafao (Doutorado em Ciéncia Politica) - Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016, p. 315-316.

aos seus argumentos, mas, acima de tudo, imprimia uma conversa franca, contendo algumas peculiaridades familiares, e sendo de fácil compreensao64.

O diálogo em aprefo envolve a participafao de um interlocutor a favor do individualismo e de outro que se posiciona em defesa do comunismo anárquico. Para o defensor do individualismo, o comunismo teria o importante papel de assegurar a distribuifao e o uso dos meios produtivos e de seus produtos a toda coletividade, o que seria privilégio de poucos. Entretanto, neste sistema económico, a liberdade individual nunca poderia ser completa, uma vez que o individuo deverá cumprir obrigafóes que lhe seriam impostas em razao do coletivo, em detrimento da maioria:

(...) Porquanto nao haverá leis coercitivas, tu, no comunismo deverá trabalhar metodicamente e, para cima e para baixo, quanto aos outros para ser censurado (criticado). Deverá vestir como os outros, fazer a barba, pentear-se como os outros, comer igualmente, habitar uma casa feita no estilo em voga, etc, etc. Enfim, terás de comportar-te em conformidade com o comportamento geral. Eu, nesse cumprimento a exigencia do desenvolvimento coletivo, do costume, do capricho dos outros, nao posso me acomodar a chama-lo de liberdade.65

Em contrapartida, para o interlocutor adepto do comunismo, o maior problema do individualismo seria a exclusao da solidariedade, a base para "vencer a resistencia exorbitante de qualquer esfor^o individual". Além disso, após a revoluto social ocorreria um estado de amorfia individualística que, ao generalizar-se, afetaria todos os servifos e empregos dos trabalhadores coletivos (como o meio de comunicafao e transporte), colocando a sociedade em "extremo perigo". Outrossim, "o homem traz em si uma prepotente necessidade de descobrir, de conhecer", necessidade esta que nao "harmoniza em nada com o ideal de exemplifica^ao individualista". Ao final de seus argumentos, afirmava que apesar de certos defeitos, como a ligeira restrifao da liberdade, o comunismo anárquico garantiria uma vida baseada na ajuda mútua. E assim terminou o diálogo. Bandoni permitiu deste modo, que o leitor pudesse compreender que essa segunda posifao, a comunitária, seria a forma mais viável de organizafao anarquista66.

Esses sao, portanto, alguns indicios que demonstram que a influencia teórica do anarquismo propalado por Angelo Bandoni tem amparo no anarco-comunismo malatestiniano, e nao no individualismo (ou insurrecionalismo) difundido por Luigi Gallenai. Por conta disso, este fato contribui para rechafar a tese que afasta a percepfao libertária dos militantes italianos de Sao Paulo como um caso historicamente desvinculado em relafao á AIT.

57

64 Ver: Samis, Alexandre. Introdufao, MALATESTA, Errico. Entre Camponeses, Sao Paulo, Hedra, 2009, p. 31.

65 "Per quanto non vi saranno leggi coercitive, tu, in comunismo dovrai lavorare metodicamente e, su per giu, quanto gli altri, per non essere biasimato. Dovrai vestire come gli altri, raderti la barba perttinati come gli altri, cibarti all'uso comune, abitare uma casa fatta sullo stile in voga, ecc, ecc. Infine, dovrai comportarti in conformita dell comportamento generale. Io questo conformarsi alle esigenze di sviluppo collettivo, al costume, ai capricci degli altri, non posso adattarmi a chiamarlo liberta" (La Battaglia, n. 87, 02 de abril de 1905, p. 03, "Polemizzando?!").

66 "L'uomo porta in se un prepotente bisogno di scuoprire, di conoscere, bisogno che non armonizza per nulla coll'ideale di semplificazione individualista. L'uomo puó e deve cercare di vivere piu largamente, piu intensamente la vita, deve profittare di tutti i mezzi di sviluppo, d'integrazione che gli porgono la natura e la Societa" (La Battaglia, n. 87, 02 de abril de 1905, p. 03, "Polemizzando?!").

Isso em razao do papel que Errico Malatesta67 possuiu ao conduzir a sefao italiana da Internacional dos Trabalhadores, entre 1871 a 1876, de uma posifao "simplesmente abstencionista e federalista, a adotar os ideais básicos do anarquismo bakuniniano" e, em seguida, a ultrapassá-los através da elaborafao do principio "anarco-comunista"68 e de uma excepcional concepfao revolucionária, a "propaganda pelo fato"69.

Em outras palavras, a morte de Bakunin (1876) nao significou um ponto final ao crescente movimento federalista libertário e operário na Itália; muito menos simbolizou a sua estagnafao. Tanto foi assim, que em outubro de 1876, foi celebrado em Tosi, localidade próxima de Florenfa, um congresso (Congresso de Florenfa-Tosi) no qual se estabeleceram as bases das teses do comunismo anarquista como alternativa ao coletivismo de Bakunin70. Esta proposta consignada na década de setenta nao era ainda uma elaborafao definitiva, pois nao havia sido "adotada diretamente a fórmula do 'comunismo anarquista'", apesar de terem sido expostos os pressupostos teóricos de uma ideia que seria desenvolvida ao longo de 18801890 por Cafiero71, Malatesta, Kropotkin e Reclus72.

A solidificafao definitiva de Errico Malatesta em relafao ao anarco-comunismo iria acontecer no ano de 1881, em Londres, quando os remanescentes da primeira AIT se reuniram, sob o nome de Congresso Internacional Socialista Revolucionário, e realizaram o primeiro congresso anarquista. Na ocasiao, o anarquista, representante de diversos grupos italianos, propós ainda a restruturafao da Internacional dos Trabalhadores a partir de uma orientafao revolucionária de luta contra os governos, para o qual seria necessária uma 58

estrutura dupla: por um lado um órgao destinado a difundir a propaganda entre as massas e impulsioná-las á revolta, e por outros grupos de afao, organizados e federados em sigilo para a afao violenta (que receberia o nome de "propaganda pelo fato", tese que já vinha sendo defendida desde o Congresso de Berna em 1876)73. Ademais, foi ainda nesta década (1880) que Malatesta, e outros nomes importantes do anarquismo desse momento (Andrea Costa antes de se tornar socialista e Francesco Saverio Merlino), vao perceber a necessidade de uma "organizafao dos grupos socialistas anárquicos voltados para o movimento social", muito embora o antiorganizacionismo ainda seria predominante na Itália até 190074.

67 Assim como, Carlo Cafiero (1846-1892) e Andrea Costa (1851-1910).

68 Ainda segundo o autor: "paradoxalmente, portanto, a nova interpretafao do anarquismo bakuniniano elaborada pelos internacionalistas suifos e italianos, que superava o coletivismo do russo mantendo inalterada a perspectiva materialista subjacente, embora nao pudesse eliminar as divergéncias básicas entre o pensamento marxiano e o bakuninano, aproximava essas duas correntes de ideias, mostrando assim sua matiz comum. A originalidade e, ao mesmo tempo, o paradoxo da elaborafao "anarco-comunista" sao inegáveis: aquelas mesmas pessoas que, nos primeiros anos de vida da Internacional, haviam combatido e renegado a tendéncia marxista, agora, depois de poucos meses da morte de Bakunin, abandonavam parcialmente sua perspectiva coletivista para aderir a uma teoria comunista elaborada pelo próprio Marx" (Marini, Gualtiero. op. cit., p. 299).

69 Ibid.

70 Ibid., p. 313.

71 Já Andrea Costa, gradualmente, foi aderindo a uma perspectiva mais parlamentarista e legalista.

72 Marini, Gualtiero. op. cit., p. 314 e Nettlau, Max. História da anarquia: das origens ao anarco-comunismo, Sao Paulo, Hedra, 2008, p. 188.

73 Avilés, Juan. Un punto de inflexión en la historia del anarquismo: El congreso revolucionario de Londres de 1881, Cuadernos de Historia Contemporánea, v. 34, p. 159-180, 2012, p. 171.

74 Romani, Carlo. Oreste Ristori: uma aventura anarquista, Sao Paulo, Annablume, 2002.

_. História e historiografia do anarquismo italiano: das origens até 1907, Rede-A, [S.l.], v.3, n. 2, p. 3-23, jul/dez,

2013, p. 19.

Por tudo que foi exposto até aqui, um exame mais apurado da sua produfao tipográfica e a consulta de documentafao até entao inexplorada sobre o Bandoni revelam que é arriscado (e talvez um equivoco) catalogar este militante de maneira rigida em qualquer tipo de vertente anárquica. Desta forma, a sua melhor definifao, talvez, seja a de um "anarquista sem adjetivos", como na proposito defendida pelos anarquistas Fernando Tarrida e Ricardo Mela75, os pioneiros a utilizarem essa expressao e a mencionar a importancia de uma "síntese"76 entre as correntes anárquicas77. O ácrata cubano, Tarrida, por exemplo, afirmou ser anarquista e expressou "a anarquia sem adjetivos" (1890), pois a anarquia é um axioma e as formas organizativas ou os modelos económicos adotados (corporativista ou comunitário) sao questóes meramente secundárias78. Já para o espanhol Mela (1900):

iНе можете найти то, что вам нужно? Попробуйте сервис подбора литературы.

(...)

De nossa parte nos limitamos a registrar um fato: anarquistas de todas as crenfas caminham resolutamente para [... ] uma grande sintese social, que abrafa todas as diversas manifestafóes de ideais. A marcha é silenciosa: em breve haverá o rumoroso desmembramento (...).79

Assim, tendo em vista as especificidades dos anarquistas italianos em Sao Paulo, especialmente de Angelo Bandoni, temos por hipótese que grande parte das práticas desses 59

militantes nao comportam um enquadramento fixo nas classificafóes até entao formuladas, já que a tradifao italiana recebeu historicamente a influencias de múltiplas tendencias.

Considerafóes Finais

Por tudo que foi exposto, este artigo buscou demonstrar que a critica formulada por Angelo Bandoni contra as organizafóes possuiu maior enfase no que tange ás associafóes sindicais. Mesmo assim, essa relafao de antagonismo estabelecida por Bandoni, apesar de evidente em seus textos, nao foi coerente na prática, tendo em vista que as escolhas assumidas ao longo de sua militáncia contrariaram esse posicionamento. Apesar disso, foi possivel ressaltar que esse antissindicalismo possuiu como explicafao histórica a realidade sindical italiana no final do século XIX, já que era lugar ocupado hegemonicamente pelos socialistas reformistas. É por essa razao, que acreditamos que Bandoni tendeu a compreender as organizafóes profissionais como um empecilho a tao almejada revolufao social. Essa percepfao, inclusive, talvez possa ser estendida a outros anarquistas de origem italiana e aos

75 Ver também o seguinte texto: Mella, Ricardo. Libre cooperación y colectivsmo anarquista, S. d., Disponivel em: https://bibliotecanacionandaluzasevilla.files.wordpress.com/2008/09/libre-cooperacion-y-colectivismo-anarquista1.pdf, Acesso: 02 ago 2017.

76 Entre aspas, com a preocupafao de nao incorrer em um possivel anacronismo, visto que o movimento de sintese acontecerá em ocasiao bem posterior, isto é, na década de 1920, com Sebastian Faure, Volin, em contraposifao aos plataformistas, conforme já ressaltamos.

77 Codello, Francesco. Un anarchismo senza aggettivi, A rivista anarchica, Milao, ano 47, n. 416, p. 59-60, maio, 2017, p. 59.

78 Tarrida, Fernando. Anarquia sin adjetivos, Germinal, n. 4, p. 129-136, out., 2007.

79 "Per parte nostra ci limitiamo a registrare un fatto: anarchici di tutte la credenze cammiano resolutamente verso la [...] di una sintesi sociale, che abbbraccia tutte le diverse manifestazioni dell'ideale. La marcia e silenziosa: presto avverra il rumorosa smembramento (...)" (L'Azione Anarchica, 19 de novembro de 1905, "L'Anarchismo nascente").

grupos editoriais da imprensa libertária aos quais fizeram parte no Brasil e que também se opuseram aos sindicatos enquanto estratégia de luta, como foi, por exemplo, o caso do jornal La Battaglia.

Por tal razao, nao é possivel supor, como fizeram algumas análises historiográficas, como por exemplo os autores do livro Black Flame, que esse antissindicalismo dos anarquistas italianos em Sao Paulo tivesse como explicafao uma possivel proximidade com o individualismo (ou insurrecionalismo para alguns) proposto por Luigi Galleani. Mas, ao tratar especificamente de Angelo Bandoni, o artigo buscou demonstrar a inconveniéncia de usar classificafoes para definir um militante entre as correntes do anarquismo. De tal modo que, pelas multiplicidades teóricas assumidas, as contradifoes e as complexidades apresentadas, a melhor maneira encontrada para defini-lo seria a de um "anarquista sem adjetivo", saindo, assim, em defesa de uma sintese entre as vertentes.

A trajetória biográfica de Angelo Badoni possibilitou contato direto com um dos segmentos do movimento anarquista brasileiro que floresceu durante a primeira República. Se no passado o anarquismo no pais era compreendido como sendo uma voz unissona em todas as regioes que se desenvolveu, as recentes interpretafoes históricas voltadas para os percursos individuais fazem emergir novas perspectivas que antes passavam despercebidas. Assim, no ámbito do cenário nacional, os militantes em Sao Paulo possuiam caracteristicas próprias (o mesmo vale para as demais regioes do pais). Por sua vez, entre aqueles que pertenciam á comunidade italiana, as manifestafoes libertárias se davam sob o crivo de outras especificidades fazendo ramificar ainda mais essas sefoes. Por essas e outras razoes, consideramos que as diversas classificafoes existentes nao dao conta de definir toda a complexidade existente nas afoes de militáncia, motivo pelo qual, entre a propaganda e a educafao, a incapacidade de adjetivafao de Bandoni fafa ressaltar a sua multiplicidade teórica.

60

Referências

Referências bibliográficas

Antonioli, Maurizio. A U.S.I. O Sindicalismo Revolucionário Italiano, Colombo, E. e Colson, D. et al. (orgs), Historia do movimento operário revolucionário, Sao Paulo, Imaginário, Sao Caetano do Sul, IMES, 2004.

Avilés, Juan. Un punto de inflexión en la historia del anarquismo: El congreso revolucionario de Londres de 1881, Cuadernos de Historia Contemporánea, v. 34, p. 159-180, 2012. Bakunin, Mikhail. Revoluçao e Liberdade. Cartas de 1845 a 1875, Sao Paulo, Hedra, 2010. Benevides, Bruno Corrêa de Sá e. A educaçâo libertária como "nova tendência revolucionária": as experiências pedagógicas de Angelo Bandoni, Revista Latino-Americana de Historia, vol. 7, n. 19, jan./jul., 2018.

_. O Anarquismo sem adjetivos: a trajetória libertária de Angelo Bandoni entre

propaganda e educaçao, Dissertaçao (Mestrado) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

Biondi, Luigi. Classe e naçao. Trabalhadores e socialistas italianos em Sao Paulo, 1890-1920, Campinas, Ed. Unicamp, 2011.

Berthier, Rene. Commentaires sur "Black Flame" et divers autres ouvrages. Reflexions sur l'anarchisme et le syndicalisme révolutionnaire, Cercle d'Études libertaires Gaston-Leval, 2017.

Blay, Eva. Eu nao tenho onde morar: vilas operárias na cidade de Sao Paulo, Sao Paulo, Nobel, 1985.

Bourdieu, Pierre. A ilusao biográfica, Ferreira, Marieta de Moraesa e Amado, Janaina (org.). Usos & abusos da historia oral, 8.ed., Rio de Janeiro, FGV, 2006.

Corrêa, Felipe. Rediscutindo o anarquismo: uma abordagem teórica, Dissertaçao (Mestrado) -Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, 2012.

Codello, Francesco. Un anarchismo senza aggettivi, A rivista anarchica, Milao, ano 47, n. 416, p. 59-60, maio, 2017.

Fedeli, Ugo. Gigi Damiani. Note biografiche: il suo posto nell'anarchismo, Cesena, L Antitato, 1954.

Felici, Isabelle. Gli anarchici italiani di San Paolo e il problema dell organizzazione operaia (1898-1017), Blengino, Vanni, Franzina, Emilio e Pepe, Adolfo. La riscoperta delle Americhe: Lavoratori e sindacato nell emigrazione italiana in America Latina (1870-1970), Teti Editore, 1994.

Hobsbawm, Eric. A era dos impérios (1875-1914), 16a Ed, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2013. Khoury, Yara Maria. Edgard Leuenroth, uma voz libertária: imprensa, memoria e militância anarco-sindicalista, Sao Paulo, USP, 1989.

Kropotkin, Piotr. A Conquista do Pao, Lisboa, Guimaraes editores, 1975. Levy, Carl. Gramsci and the Anarchist, New York, Berg, 1999.

Malatesta, Errico. Um pouco de teoria, Escritos Revolucionários, Sao Paulo, Novos Tempos, 61

1989.

Marini, Gualtiero. Revoluçao, anarquia e comunismo: às origens do socialismo internacionalista italiano (1871-1876), 378 f., Dissertaçao (Doutorado em Ciência Política) -Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2016.

Mella, Ricardo. Libre cooperación y colectivsmo anarquista, S. d., Disponivel em: https://bibliotecanacionandaluzasevilla.files.wordpress.com/2008/09/libre-cooperacion-y-colectivismo-anarquista1.pdf, Acesso: 02 ago 2017.

Nascimento, Rogério H. Z. Florentino de Carvalho. Pensamento social de um anarquista, Rio de Janeiro, Achiamé, 2000.

Nettlau, Max. Historia da anarquia: das origens ao anarco-comunismo, Sao Paulo, Hedra, 2008. Pernicone, Nunzio. Italian Anarchism, 1864-1892, New Jersey, Princeton Legacy Library, 1993.

Rey, Didier. Historique des migrations en Corse depuis 1789, PESTEIL, Ph (Org.). Histoire et mémoires des immigrations en région Corse, Corte: Université de Corse - Pascal Paoli, 2008. Romani, Carlo. Oreste Ristori: uma aventura anarquista, Sao Paulo, Annablume, 2002.

_. Historia e historiografia do anarquismo italiano: das origens até 1907, Rede-A, [S.l.], v.3,

n. 2, p. 3-23, jul/dez, 2013.

Rossineri, Patrick. Entre a plataforma e o partido: as tendências autoritárias e o anarquismo, Piracicaba, Ateneu Diego Giménez, 2011.

Samis, Alexandre. Introduçao, MALATESTA, Errico. Entre Camponeses, Sao Paulo, Hedra, 2009.

_, Minha pátria é o mundo inteiro. Neno Vasco, o anarquismo e o sindicalismo

revolucionário em dois mundos, Lisboa, Letra Livre, 2009.

Santos, Kauan Willian dos. "Paz entre nós, guerra aos senhores": o internacionalismo anarquista e as articulaçôes políticas e sindicais nos grupos e periódicos anarquistas guerra

sociale e a plebe na segunda década do século XX em Sao Paulo, Disserta^ao (Mestrado em Historia) - Universidade Federal de Sao Paulo, Sao Paulo, 2016.

_. Ultrapassando limites, conjurando a liberdade: revoluto e na^ao na trajetória política

de Angelo Bandoni em Sao Paulo nas duas primeiras décadas do século XX, Revista Mundos do Trabalho, Sao Paulo, v. 8, n. 16, p. 57-74, 2016.

Senta, Antonio. Luigi Galleani e l'anarchismo antiorganizzatore. Itália, Edizioni Bruno Alpini, 2012.

Tarrida, Fernando. Anarquía sin adjetivos, Germinal, n. 4, p. 129-136, out., 2007.

Toledo, Edilene. Travessias Revolucionárias: ideias e militantes sindicalistas em Sao Paulo e

na Itália (1890-1945), Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.

Van der Walt, Lucien e Schmidt, Michael. Black Flame. The revolutionary class politics of Anarchism and Syndicalism, Oakland (CA), AK Press, 2009.

Periódicos utilizados

Correio Paulistano, Sao Paulo. Germinal, Sao Paulo. Guerra Sociale, Sao Paulo. L'Azione Anarchica, Sao Paulo. La Barricata-La Battaglia, Sao Paulo.

La Battaglia, Sao Paulo. 62

La Propaganda Libertaria, Sao Paulo.

i Надоели баннеры? Вы всегда можете отключить рекламу.