Научная статья на тему 'Evgeni B. Pachukanis, a teoria marxista do Estado e do direito'

Evgeni B. Pachukanis, a teoria marxista do Estado e do direito Текст научной статьи по специальности «Право»

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EVGENI BRONISLAVOVICH PACHUKANIS / PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL / REVOLUçãO RUSSA / TRADUCCIóN

Аннотация научной статьи по праву, автор научной работы — Cittolin Abal Felipe

Evgeni Bronislavovich Pachukanis nasceu em 1891 em Staritsa. Antes da Primeira Guerra Mundial estudou na Universidade de São Petersburgo e após o conflito especializou-se em direito e economia política na Universidade de Munique. Após a Revolução Russa Pachukanis ingressou nas fileiras bolcheviques e atuou como juiz na região de Moscou e, posteriormente, passou a atuar junto ao Comissariado do Povo para Assuntos Estrangeiros.

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Текст научной работы на тему «Evgeni B. Pachukanis, a teoria marxista do Estado e do direito»

Traducción / Tradugao

Evgeni B. Pachukanis A Teoria Marxista do Estado e do Direito The Marxist Theory of State and Law

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Versao original: publicada em russo na obra coletiva "A Doutrina do Estado e do Direito" em 1932. A versao em inglés realizada pelo professor Peter B. Maggs, da qual o texto foi traduzido, está disponível em: <http://www.law.illinois.edu/p-maggs/pch7.htm>. Tradugao realizada com a generosa autorizagao do professor Peter B. Maggs.

Tradugao por Felipe Cittolin Abal, Mestre e doutorando em História pela Universidade de Passo Fundo, bacharel em Ciéncias Jurídicas e Sociais pela mesma instituigao. Professor na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo.

Evgeni Bronislavovich Pachukanis nasceu em 1891 em Staritsa. Antes da Primeira Guerra Mundial estudou na Universidade de Sao Petersburgo e após o conflito especializou-se em direito e economia política na Universidade de Munique. Após a Revolugao Russa Pachukanis ingressou nas fileiras bolcheviques e atuou como juiz na regiao de Moscou e, posteriormente, passou a atuar junto ao Comissariado do Povo para Assuntos Estrangeiros.

Apesar de sua atuagao na prática jurídica foi no campo teórico que Pachukanis alcangou seu ponto mais alto de reconhecimento, especialmente após a publicagao em 1924 da sua principal obra, "Teoria Geral do Direito e Marxismo" que o colocou em local de destaque entre os pensadores do direito. Segundo Márcio Bilharinho Naves, esta obra

Apresentagao pelo tradutor

teve o efeito de uma pequena revolugao teórica na jurisprudencia. Pachukanis, rigorosamente, retorna a Marx, isto é, nao apenas ás referencias ao direito encontradas em O Capital— e nao seria exagero dizer que ele é o primeiro que

verdaderamente as le - mas, principalmente, ele retorna á inspirado original de Marx, ao recuperar o método marxiano1.

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Ao final da década de 1920 o reconhecimento de Pachukanis ultrapassou o de outros juristas soviéticos, a exemplo de seu mentor Piotr Stuchka, somando á sua produ^ao diversos artigos científicos e reflexóes. Após 1928, porém, a sua teoria marxista crítica a um direito burgués passou a se tornar incompatível com a política e a planificado económica do Estado soviético, fazendo com que o jurista elaborasse trabalhos de autocrítica especialmente durante a segunda metade da década de 1930, os quais acabaram por gerar um certo atrito entre suas concep^óes teóricas anteriores e o direito existente no período stalinista.

A aparente impossibilidade de coexistencia entre a política de Stálin e as formulares de Pachukanis culminaram na sua derrocada em 1937, quando é preso e condenado como "inimigo do povo". Pachukanis acabou executado no mesmo ano e substituído como maior expoente do direito soviético por Andrei Vichinsky. Somente após a morte de Stálin as obras de Pachukanis voltaram a ser objeto de estudo entre os soviéticos e o jurista retomou o devido reconhecimento.

O texto apresentado, "A Teoria Marxista do Estado e do Direito", data de 1932 e apresenta algumas diferen^as fundamentais com "A Teoria Geral do Direito e o Marxismo", principalmente no instante em que Pachukanis vincula o direito somente ás rela^óes de produ^ao, deixando de lado a rela^ao estabelecida anteriormente entre a forma jurídica e a forma mercantil. Isto se deveu á necessidade de conformar suas ideias com as concep^óes dominantes da época2.

Este texto, portanto, ao invés de simplesmente reforjar as teses de Pachukanis expostas em momentos anteriores, coloca reformula^óes de diversos pontos fundamentais da rela^ao entre o direito e o marxismo, especialmente no que tange á natureza do direito, sua conexao com o Estado e a possibilidade de existencia de um direito socialista diverso do direito burgues.

Sem pretender ingressar neste instante no amplo debate trazido pelo texto, urge que, por fim, seja justificada a importancia deste escrito na atualidade. O estudo tradicional do direito e do Estado parte de diversas noyóes pouco questionadas. Vários autores remontam a existencia de uma ordem jurídica (direito) até mesmo ás sociedades primitivas e buscam desvincular o fenómeno jurídico do Estado. O Estado, por sua vez, também é explicado mediante teorias contratualistas e justificativas que retiram o seu caráter de classe. Os escritos de Pachukanis, ao retomar o método e as ideias marxistas, conduzem a um rompimento com estas noyóes tradicionais e trazem á tona

1 NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito-. um estudo sobre Pachukanis. Sao Paulo. Boitempo Editorial, 2000, p. 16.

2 NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito-. um estudo sobre Pachukanis. Sao Paulo. Boitempo Editorial, 2000, p. 128.

fundamentos críticos em relaçâo à propria base do direito e do Estado e a forma como estes fenómenos devem ser compreendidos.

Em um momento histórico em que cada vez mais pode-se ver o acerto das formulaçôes de Marx diante das diversas e constantes crises económicas, jurídicas e estatais, as reflexôes de Pachukanis sâo essenciais para a compreensâo do direito e do Estado e a ponderaçâo a respeito do papel do direito nas sociedades capitalista e socialista.

1. A doutrina das formaçôes socio-econômicas como uma base para a teoria marxista do Estado e do direito.

A doutrina do Estado e do direito é parte de um todo maior, a saber, o complexo de ciencias que estudam a sociedade humana. O desenvolvimento destas ciencias é, por sua vez, determinado pela história da própria sociedade, i.e., pela história da luta de classes.

Já há muito se notou que as mais poderosas e frutíferas catálises que nutrem o estudo do fenómeno social sao conectadas com revolugoes. A Revolugao Inglesa do século XVII deu inicio ao direcionamento básico do pensamento social burgues e forgou o avango da compreensao do fenómeno social científico, i.e., materialista.

Basta mencionar um trabalho como Oceana - do escritor ingles Harrington, que foi langado logo após a Revolugao Inglesa do século XVII - no qual mudangas na estrutura política sao relacionadas com a mudanga na distribuigao de propriedade de terras. Basta mencionar o trabalho de Barnave - um dos arquitetos da grande Revolugao Francesa - que da mesma forma buscou explicagoes da luta política e da ordem política nas relagoes de propriedade. Ao estudar as revolugoes burguesas, historiadores restoracionistas franceses - Guizot, Muneaux e Thierry -concluíram que o leitmotif destas revolugoes foi a luta de classes entre o terceiro estado (i.e. a burguesia) e os estados privilegiados do feudalismo e seu monarca. É por isso que Marx, em sua bem conhecida carta a Weydmeyer, indica que a teoria da luta de classes era conhecida antes dele. "Até onde sei", ele escreveu

nenhum crédito me é devido por descobrir a existencia de classes na sociedade moderna, ou a luta entre elas. Muito antes de mim historiadores burgueses descreveram o desenvolvimento histórico da luta de classes, e economistas burgueses a anatomia económica das classes.

O que eu fiz de novo foi provar: (1) que a existencia das classes só é ligada com formas históricas particulares de luta no desenvolvimento da produgao...; (2) que a luta de classes

3 N. do T. Do alemao "motivo condutor".

leva inevitavelmente á ditadura do proletariado; (3) que esta ditadura apenas constitui a transigao para a aboligao de todas as classes e o estabelecimento de uma sociedade sem classes4.

[Segao 2 omitida no texto original]

3. O tipo de classe do Estado e a forma de governo

A doutrina das formagóes sócio-económicas é particularmente importante para a teoria de Marx sobre o Estado e o direito porque ela prove a base para delineamentos precisos e científicos dos diferentes tipos de Estado e diferentes sistemas de direito.

Teóricos burgueses políticos e jurídicos tentam estabelecer a classificagao das formas políticas e jurídicas sem um critério científico; nao a partir da essencia de classe das formas, mas a partir de características externas, com maior ou menor intensidade. Teóricos burgueses do Estado, assiduamente evitando a questao da natureza classista do Estado, propóem todo tipo de definigao artificial e escolástica e distingao conceitual. Por exemplo, no passado, manuais sobre o Estado dividiam este em tres "elementos": território, populagao e poder.

Alguns estudiosos vao mais longe. Kellen, um dos mais recentes teóricos suecos do Estado, distingue cinco elementos ou fenómenos do Estado: território, povo, economia, sociedade e, finalmente, o Estado como sujeito formal e legal do poder. Todas estas definigóes e distingóes de elementos ou aspectos do Estado, nada mais sao do que um jogo escolástico de conceitos vazios, uma vez que o ponto principal está ausente: a divisao da sociedade em classes e a dominagao de classe. Esta é uma verdade incontroversa. Porém, ao mesmo tempo, é verdade que todos esses "elementos" existiram no estágio de desenvolvimento quando nao havia Estado. Igualmente, a sociedade comunista sem classes, tendo território, populagao e economia, também existirá sem Estado uma vez que a necessidade de supressao de classe desaparecerá.

A característica do poder, ou do poder coercitivo, também nao diz exatamente nada. Lénin, em sua polémica com Struve na década de 1890 afirmou que "ele, de forma incorreta, vé a característica do Estado no poder coercitivo. O poder coercitivo existe em qualquer sociedade humana, tanto na estrutura tribal quanto na familia, mas nao havia Estado". Posteriormente, Lénin conclui: "A característica principal do Estado é a existéncia de uma classe separada de pessoas em

4 MARX, Karl. Carta a Joseph Weydemeyer. Disponível em:

<https://www.marxists.org/portugues/marx/1852/03/05.htm> Acesso em 08 ago 2016.

cujas mâos o poder é concentrado. Obviamente, ninguém pode usar o termo 'Estado' ao se referir a uma comunidade na qual a 'organizaçao da ordem' é administrada por todos os seus membros5.

A posiçâo de Struve, segundo a qual a característica essencial do Estado é o poder coercitivo, era referida por Lênin, nao sem razao, como "professorial". Toda ciencia burguesa do Estado está cheia de conclusóes na essência deste poder coercitivo. Disfarçando o caráter classista do Estado, estudiosos burgueses interpretam esta coerçâo em um sentido puramente psicológico. "Pelo poder e subordinaçâo", escreveu um jurista burgués russo (Lazarevsky), "dois elementos sao necessários: a consciência daqueles exercendo o poder de que eles tem o direito à obediência e a consciéncia dos subordinados de que eles devem obedecer".

A partir disso, Lazarevsky e outros juristas burgueses chegaram à seguinte conclusâo: o poder do Estado é baseado na convicçâo geral dos cidadâos que um Estado específico tem o direito de emanar seus decretos e leis. Assim, o fato real, a concentraçâo dos meios de força e coerçâo nas mâos de uma classe em particular, está escondido e mascarado pela ideologia da burguesia. Enquanto o Estado feudal, baseado na propriedade de terras, sancionava seu poder pela autoridade da religiâo, a burguesia usa o fetiche da lei. Ligado a isso, também encontramos a teoria dos juristas burgueses, os quais agora foram adotados em sua totalidade pelos social-democratas, pelos quais o Estado é visto como um agente atuante nos interesses de toda a sociedade. "Se a fonte do poder estatal deriva da classe", escreveu outro jurista burgués (Magaziner), "entao para cumprir seus fins o Estado deve estar acima da luta de classes. Formalmente, ele é o árbitro da luta de classes e até mais do que isso: ele cria as regras desta luta".

É precisamente esta falsa teoria da natureza supra-classista do Estado que é usada como justificativa da política pérfida dos social-democratas. Em nome do "interesse geral", social-democratas privam os desempregados de beneficios sociais, ajudam a reduzir salários e encorajam a repressâo a manifestaçôes de trabalhadores.

Nâo desejando reconhecer o fato básico, i.e. que os Estados se diferenciam de acordo com sua base de classe, teóricos burgueses do Estado concentram suas atençôes nas várias formas de governo. Esta diferenciaçâo, porém, nâo tem valia. Assim, por exemplo, na antiga Grécia e na antiga Roma temos as mais variadas formas de governo. Mas todas estas transiçôes da monarquia à república, da aristocracia à democracia, que observamos lá, nâo destroem o fato básico de que esses Estados, a despeito de suas diferentes formas, foram Estados escravocratas. O aparato da coerçâo, independente da forma de organizaçâo, pertencia aos donos de escravos e assegurava seu poder sobre os escravos com a ajuda de forças armadas, assegurava o direito dos donos de

5 LÊNIN, Vladimir Ilitch. The Economic Content of Narodism. Disponível em:

<https://www.marxists.org/archive/lenin/works/cw/pdf/lenin-cw-vol-01.pdf>. Acesso em 8 ago 2016.

escravos de dispor do trabalho e da personalidade dos escravos, de explorá-los, de cometer qualquer ato de violencia contra eles.

Distinguir entre a forma de governo e a esséncia de classe do Estado é particularmente importante para a estratégia correta da classe trabalhadora em sua luta com o capitalismo. Continuando com esta distingao, estabelecemos que a extensao da propriedade privada e do poder do capital permanecem intocados, até agora a forma democrática de governo nao alterou a essencia do problema. Democracia com a preservagao da exploragao capitalista sempre será a democracia da minoria, democracia para os proprietários; ela sempre significará a exploragao e subjugagao da grande massa de trabalhadores. Assim, teóricos da Segunda Internacional como Kautsky, que contrastam "democracia" em geral com "ditadura", se recusam inteiramente a considerar sua natureza classista. Eles substituem o marxismo pelo dogmatismo legal vulgar e atuam como os campeóes da academia e lacaios do capitalismo.

As diferentes formas de governo já haviam surgido na sociedade escravocrata. Basicamente, elas consistem nos seguintes tipos: o Estado monárquico hereditário e a república onde o poder é eletivo e nao há cargos públicos transmissíveis por heranga. A isto soma-se a aristocracia, ou o poder da minoria (i.e. um Estado onde a participagao na sua administragao é limitado por lei em prol de um grupo definido e reduzido a um pequeno círculo de pessoas privilegiadas) que se distingue da democracia (ou, literalmente, o governo do povo), i.e. um Estado onde por lei todos tomam parte nas decisóes de interesse público, seja diretamente ou por representantes eleitos. As distingóes entre monarquia, aristocracia e democracia já foram estabelecidas pelo filósofo grego Aristóteles no século IV. Todos os teóricos burgueses modernos do Estado pouco adicionaram a esta classificagao.

Na realidade, o significado de uma forma ou outra pode ser obtido somente levando em conta as condigóes históricas concretas sobre as quais ela emergiu e existiu e apenas no contexto da natureza de classe de um Estado específico. Tentativas de estabelecer quaisquer leis abstratas genéricas do movimento das formas de Estado, com a qual os teóricos burgueses do Estado tem comumente se ocupado, nada tem em comum com uma ciencia.

Em particular, a mudanga na forma de governo depende das condigóes históricas concretas, na condigao da luta de classes e em como as relagóes sao formadas entre a classe governante e a classe subordinada e também dentro da própria classe governante.

As formas de governo podem mudar embora a natureza de classe do Estado permanega a mesma. A Franga, no decorrer do século XIX, e depois da revolugao de 1830 até a atualidade, foi uma monarquia constitucional, um império e uma república, e o governo da burguesia capitalista estatal foi mantida nas tres formas. Reciprocamente, a mesma forma de governo (por exemplo,

uma república democrática) que foi encontrada na antiguidade como uma das variáveis do Estado escravocrata, é, na nossa época, uma das formas de dominaçao capitalista.

Assim, ao estudar qualquer Estado, é muito importante primeiramente examinar nao sua forma interna, mas seu conteúdo interno de classe, inserindo as condiçoes históricas concretas da luta de classes como a base fundamental de um exame minucioso.

A questao da relaçao entre o tipo de classe do Estado e a forma de governo é ainda muito pouco desenvolvida. Na teoria burguesa do Estado esta questao nao somente nao pode ser desenvolvida mas sequer poderia ser devidamente colocada, já que a ciência burguesa sempre tenta disfarçar a natureza classista de todos os Estados e, em particular, a natureza classista do Estado capitalista. Muitas vezes, portanto, teóricos burgueses do Estado, sem análise, confundem características relacionadas à forma de governo com características relacionadas à natureza classista do Estado.

Como um exemplo pode-se citar a classificaçao que é proposta em uma das mais novas enciclopédias de ciência legal.

O autor (Kellreiter) distingue: (a) absolutismo e ditadura e considera que a característica básica destas formas é que os poderes do Estado estao concentrados nas maos de uma pessoa. Como exemplo, ele menciona a monarquia absolutista de Luís XIV na França, a autocracia czarista na Rússia e o poder ditatorial que foi investido através da concessao de poderes extraordinários a uma pessoa, como o presidente da República Alema com base no artigo 48 da Constituiçao de Weimar; (b) constitucionalismo, caracterizado pela separaçao dos poderes, sua independência e freios e contrapesos, assim enfraquecendo a pressao exarada pelo poder estatal nos indivíduos (exemplos: a Constituiçao alema antes da revoluçao de 1918 e os EUA, onde o Presidente e o Congresso possuem poderes independentes); (c) democracia, cuja premissa básica é o monismo de poder e a negaçao em princípio da diferença entre o poder e o sujeito ao poder (soberania popular, exemplificada pela República da Alemanha); e (d) o Estado corporativo-classista e o sistema Soviético onde, em oposiçao à democracia formal, o povo aparece nao como uma massa atomizada de cidadaos isolados, mas como uma totalidade de coletivos organizados e distintos6.

Esta classificaçao é típica da confusao que os estudiosos burgueses conscientemente introduzem na questao do Estado. Começando pelo fato de que o conceito de uma ditadura é interpretado em seu senso formal legal, privado de qualquer conteúdo de classe, o jurista burgués deliberadamente evita a questao: a ditadura de qualclasse e direcionada a quem? Ele obscurece a distinçao entre a ditadura de um pequeno grupo de exploradores e a ditadura da vasta maioria do povo trabalhador; ele distorce o conceito de ditadura, já que nao pode evitar defini-la sem uma lei

6 KELLREITER, Otto. Alla voce Staat. In: STIER-SOMLO, Fritz [et. al]. Handwörterbuch der Rechtswissenschaft. Berlim: W. de Gruyter Company, 1926.

relevante, enquanto "o conceito científico de ditadura significa nada menos do que o poder que repousa diretamente na força, sem limites impostos por lei e irrestrito por regras absolutas"7. Além disso, é suficiente indicar, por exemplo, que sob o mesmo título o autor inclui: (a) um novo tipo de Estado, nunca encontrado antes na história, onde o poder pertence ao proletariado; (b) o sonho reacionário de certos professores e autoproclamados socialistas corporativos, sobre a volta às corporaçôes e oficinas da Idade Média; e, finalmente (c) a ditadura fascista do capital que Mussolini exerce na Itália.

Esse respeitado estudioso conscientemente introduz confusâo e ignora as condiçôes históricas concretas sob as quais os trabalhadores efetivamente podem exercer a administraçâo do Estado atuando como coletivos organizados. Tais condiçôes, porém, sâo unicamente a revoluçâo proletária e o estabelecimento de uma ditadura do proletariado.

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4. A natureza classista do direito

A ciéncia burguesa confunde a questao da esséncia do direito assim como a questao do Estado. Aqui, o marxismo-leninismo opôe-se à vasta maioria das teorias burguesas, pequeno burguesas e revisionistas que, prescindindo de uma explanaçao sobre a natureza histórica e classista do direito, consideram o Estado como um fenómeno essencial para toda sociedade humana. Desta forma eles transformam a lei em uma categoria supra-histórica.

Nao é surpreendente, assim, que a filosofia do direito burguesa serve como fonte principal para introduzir confusao tanto no conceito de direito como no conceito de Estado e sociedade.

A teoria burguesa do Estado é 90% a teoria legal do Estado. A pouco atraente esséncia classista do Estado, comumente e avidamente, é escondida por inteligentes combinaçôes de formalismo legal ou é encoberta por uma nuvem de abstraçôes pomposas jusfilosóficas.

A exposiçao da esséncia histórica de classe do direito nao é, desta forma, uma desimportante parte da teoria marxista-leninista da sociedade ou da sociedade e do direito.

A mais divulgada abordagem da ciéncia burguesa para a soluçao da questao da esséncia do direito consiste no fato de que ela se empenha em abarcar através do conceito de direito a existéncia de quaisquer relaçôes humanas conscientemente ordenadas, de qualquer regra social, de qualquer fenómeno de autoridade social ou poder social. Assim, estudiosos burgueses facilmente transferem o direito para as sociedades pré-classe, o encontram na vida pré-estatal das

7 LENIN, Vladimir Ilitch. A Contribution to the History of the Question of the Dictatorship. Disponivel em: <https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1920/oct/20.htm>. Acesso em 10 ago 2016.

tribos primitivas e concluem que o comunismo é impensável sem o direito. Eles transformam a lei de uma abstraçao vazia a um conceito universal desprovido de conteúdo histórico. O direito, para os sociólogos burgueses, vira uma forma vazia que é desconectada da realidade concreta, das relaçôes de produçao, do caráter antagonista destas relaçôes em uma sociedade de classes e da presença do Estado como um aparato particular de poder nas maos da classe dominante.

Representantes da filosofia idealista da lei vao mais longe. Eles começam com a "ideia de direito" que está cima da historia social como algo eterno, imutável e independente do espaço e do tempo.

Aqui, por exemplo, está a conclusao de um dos mais importantes representantes da ideologia neo-kantiana da filosofia do direito, Stammler.

Através de todas as fatalidades e feitos do homem estende-se uma única ideia, a ideia do direito. Todas as línguas possuem uma designaçao para este conceito e a direçao das definiçôes e julgamentos expressados por ele apontam, sob cuidadoso escrutínio, para um mesmo significado.

Tendo feito esta descoberta, é fácil para Stammler "provar" que independentemente das diferenças "na vida e atividade das naçôes" e "dos objetos de consideraçao legal", nós observamos a unidade da ideia legal e sua mesma aparéncia e intervençao.

Este lixo professoral é apresentado sem a menor tentativa de apresentar provas factuais. Na atualidade seria bastante difícil explicar como esta "unidade da ideia legal e sua igual aparéncia" deu origem à Lei das XII Tábuas da Roma escravocrata, os costumes servis da Idade Média, as declaraçôes de direitos das democracias capitalistas e a nossa Constituiçao Soviética.

Mas Stammler nao se envergonha da escassez de argumentos factuais. Ele lida da mesma forma com a prova da eternidade do direito. Ele começa com os legendários ciclopes descritos na Odisséia; até mesmo essas maravilhas míticas foram pais de família e, de acordo com Stammler, nao podiam viver sem leis. De outro lado, no entanto, enquanto Stammler está pronto para admitir que as tribos de pigmeus da África e os esquimós nao conheciam Estado, ele simplesmente nega como ilusórios todos os relatos de povos sem a noçao de direito. Além disso, Stammler imediatamente substitui a consideraçao histórica concreta da questao por um andar na corda-bamba de pensamento escolástico lógico-formal, que entre os professores burgueses é apresentado como uma precisao metodológica. Nós apresentamos estas conclusôes, uma vez que elas exemplificam toda essa tendéncia e, além disso, estao mais em moda no ocidente.

Stammler propôe que o estudo concreto do fenómeno legal é inteiramente incapaz de prover algo ao entendimento da esséncia do direito. Isso porque se atribuirmos qualquer fenómeno à lista de fenómenos legais, significaria que já sabemos que isto é direito e quais suas

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características. A definiçao de direito que precede de fatos pressupôe conhecimento sobre o que é direito e o que nao é direito. Desta feita, na opiniao de Stammler, ao considerar o conceito do direito, é necessário excluir tudo que é concreto e encontrado através da experiéncia e entender "que a ideia legal é um meio puramente metodológico para ordenar a vida espiritual".

Esta conclusao, que leva ao confronto com seu caráter escolástico, nao é nada mais do que a tese ideológica kantiana materializada no contexto da estupidez legal de Stammler. Ela mostra que as chamadas formas de conhecimento nao expressam as características objetivas da matéria, sao determinadas a priori e precedem toda a experiéncia humana a suas condiçôes necessárias.

Tendo transformado o direito em uma ideia metodológica, Stammler tenta inseri-lo nao no mundo material onde tudo é subordinado à lei da causa e efeito, mas no campo dos meios. Direito, segundo Stammler, é uma definiçao que advém nao do passado (da causa e efeito), mas do futuro (de meios para um fim). Finalmente, acrescendo que o direito lida nao com o procedimento interno dos pensamentos como tal, mas com a interaçao humana, Stammler dá esta definiçao agonizante e profundamente escolástica:

O conceito de direito é uma forma pura de pensamento. Ele divide metodologicamente o infinitamente diferenciado material dos desejos humanos apreendidos pelos sentidos e o define como uma vontade conectora inviolável e independente.

Esta forma escolástica professoral tem a mesma característica atraente para a burguesia que invençôes verbais e formalísticas que conseguem esconder a feia realidade de sua sociedade exploradora e seu direito explorador.

Se o direito é "uma forma pura de pensamento", entao é possível evitar o desagradável fato que o direito capitalista da propriedade privada significa a miséria do desemprego, pobreza e fome para o proletário e sua família; e que em defesa deste direito está a polícia armada até os dentes, bandos fascistas, verdugos e guardas de prisôes; e que este direito significa todo um sistema de coerçao, humilhaçao e opressao nas colónias.

Tais teorias permitem o fato asqueroso de que o interesse de classe da burguesia repousa na base do direito burgués. Ao invés do direito de classe, filósofos como Stammler sonham com abstraçôes, "formas puras", "ideias" gerais humanas, "laços duradouros de vontade" e outras coisas completamente desavergonhadas.

Esta filosofia do direito é calculada para mitigar a consciéncia de classe revolucionária do proletariado e para reconciliá-la com a sociedade burguesa e a exploraçao capitalista.

Nao é sem motivos que os fascistas sociais se expressam como zelosos expoentes do neo-kantianismo; nao é sem motivos que os teóricos social-democratas, no que diz respeito ao direito, subscrevem a filosofia neo-kantiana e reproduzem o mesmo que Stammler de formas distintas.

Na nossa literatura soviética uma relativamente vasta disseminaçao foi alcançada pelas teorias legais burguesas. Em particular, houveram tentativas de espalhar os ensinamentos idealistas de Stammler e os trabalhos de Pontovich e Popov- Ladyzhensky. Criticar e desmascarar esta eructaçao é necessário para erradicar esta infecçao ideológica burguesa.

Assim, sabemos que o Estado é um fenómeno histórico limitado pelas fronteiras da sociedade de classe. Um Estado é uma máquina para a manutençao da dominaçao de uma classe sobre outra. É uma organizaçao da classe dominante, tendo ao seu dispor os meios mais poderosos de supressao e coerçao. Até o surgimento das classes o Estado nao existia. No comunismo desenvolvido nao haverá Estado.

Assim como o Estado, o direito é inseparavelmente amarrado à divisao da sociedade em classes. Todo direito é o direito da classe dominante. A base do direito é a formulaçao e consolidaçao da relaçao entre meios de produçao, devido ao qual em uma sociedade exploradora uma parte do povo pode se apropriar do trabalho gratuito de outra.

A forma de exploraçao determina as características típicas de um sistema legal. De acordo com as trés formaçôes sócio-económicas básicas da sociedade de classe, temos os trés tipos básicos de superestrutura legal. o direito escravocrata, o direito feudal e o direito burgués. Isto, é claro, nao exclui diferenças históricas nacionais entre cada um destes sistemas. Por exemplo, o direito inglés se distingue por diversas peculiaridades em comparaçao com o direito burgués francés contido no Código Napoleónico. Da mesma forma, nao excluímos a presença de sobreviventes do passado, formas transitórias ou mistas, que complicam o retrato concreto.

No entanto, o essencial e básico, que prové o tema norteador para o estudo das diferentes instituiçôes legais, é a diferença entre a posiçao do escravo, a posiçao do servo e a posiçao do trabalhador assalariado. A relaçao de exploraçao é o ponto básico, ao redor do qual todas as outras relaçôes legais e instituiçôes legais se dispôem. Disto segue que a natureza da propriedade possui significância decisiva para cada sistema de direito. De acordo com Lenge, o brilhane e cínico reacionário do século XVIII, o espírito das leis é a propriedade.

S. O Direito como um fenómeno histórico! definiçao de direito

O aparecimento e definhamento do direito, assim como o aparecimento e definhamento do Estado, está conectado com duas limitaçôes históricas extremamente importantes. O direito (e o Estado) aparece com a divisao da sociedade em classes. Passando através de um longo caminho de desenvolvimento, repleto de saltos revolucionários e alteraçôes qualitativas, o direito e o Estado definharao sob o comunismo como um resultado do desaparecimento das classes e de todas as reminiscéncias da sociedade de classe.

Nao obstante, certos autores que se consideram marxistas, adotam o ponto de vista de que o direito existe em uma sociedade pré-classe, que no comunismo primitivo encontramos formas legais e relaçôes legais. Tal ponto de vista é adotado, por exemplo, por Reisner. Reisner usa o termo "direito" para uma série de instituiçôes e costumes de uma sociedade tribal: tabus envolvendo casamento e conflitos tribais, costumes regulando relaçôes entre tribos e costumes relacionados ao uso dos meios de produçao pertencentes à tribo. Direito, desta forma, é transformado em uma instituiçao eterna, inerente a todas as formas de sociedade humana. Deste ponto basta apenas um passo para entender o direito como uma ideia eterna e Reisner, em esséncia, tende a tal entendimento.

Esse ponto de vista contradiz fundamentalmente o marxismo. Os costumes de uma sociedade nao conhecedora de divisôes de classe, propriedade, desigualdade e exploraçao, diferem qualitativamente do direito e regras da sociedade de classe. Categorizá-las conjuntamente significa introduzir uma confusao. Toda tentativa de evitar esta diferença qualitativa leva inevitavelmente ao pensamento escolástico, à combinaçao puramente externa de fenómenos de tipos diversos ou a construtos idealistas abstratos no espírito stammleriano.

Nao devemos nos confundir com o fato de que Engels em A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado usa a expressao "a lei eterna", ou que ele cita, sem uma qualificaçao particular, a descriçao de Morgan do membro da comunidade tribal como tendo "igualdade de direitos", e de uma pessoa violadora dos costumes tribais como tendo se colocado "fora da lei".

É claro que os termos "direito" e "lei" sao usados aqui nao em seu sentido direto, mas como analogia. Isto nao significa, no entanto, que em sociedades sem classes iremos lidar somente com regras puramente técnicas. Tal argumento foi trazido por Stuchka em sua disputa com Reisner. Destinar os costumes e normas da sociedade pré-classe à área da tecnologia significaria dar ao conceito de tecnologia um sentido bastante extenso e indefinido. Proibiçôes de casamento, costumes relacionados à organizaçao da tribo, o poder dos anciaos, feudo de sangue, etc., tudo isto, é claro, nao sao tecnologias ou métodos técnicos, mas os costumes e normas da ordem social. O conteúdo e caráter destes costumes correspondiam, é claro, ao nível das forças produtivas e à produçao de relaçôes erigidas sobre elas. Estas formas sociais deveriam ser consideradas como a superestrutura sobre uma base económica. Mas esta diferença qualitativa básica entre esta superestrutura e as superestruturas política e legal da sociedade de classe consiste na auséncia de desigualdade de propriedade, exploraçao e coerçao organizada de classe.

Enquanto o marxismo busca dar um sentido histórico concreto para o direito, o aspecto característico dos filósofos burgueses do direito é, ao contrário, a conclusao de que a lei em geral está fora das classes, fora de qualquer formaçao sócio-económica particular. Ao invés de derivar o

conceito de direito do estudo de fatos históricos, estudiosos burgueses estao ocupados com a elaboraçao de teorias e definiçôes a partir de conceitos vazios ou mesmo da palavra "direito".

Já vimos como Stammler, com a ajuda do aparelho escolástico, tenta mostrar que os fatos j20

concretos nao possuem significado para a definiçao de direito. Nós, no entanto, dizemos o oposto. É impossível dar uma definiçao geral de direito sem conhecer o direito das sociedades escravocrata, feudal e capitalista. Apenas através do estudo do direito de cada uma destas formaçôes sócio-económicas podemos identificar as características que sao de fato mais gerais e mais típicas. Fazendo isso nao podemos esquecer o alerta de Engels àqueles que tendem a exagerar o significado destas definiçôes gerais.

Por exemplo, no Capítulo VI da primeira parte de Anti Dühring, tendo dado a definiçao de vida, Engels fala sobre a inadequaçao de todas as definiçôes, já que elas sao necessariamente limitadas às áreas mais gerais e simplistas. No prefácio de Anti Dühring, Engels formulou seu pensamento ainda mais claramente, indicando que "a única definiçao real é o desenvolvimento da essência da matéria e isto nao é uma definiçao". No entanto, Engels de uma só vez coloca que para o uso prático comum, definiçôes que indicam os traços característicos mais gerais de uma categoria sao muito convenientes. Nós dependemos deles. Também é errado exigir de uma definiçao mais do que ela pode dar; é errado esquecer a inevitabilidade de sua insuficiéncia.

Estas afirmaçôes de Engels devem ser mantidas em mente ao se abordar qualquer definiçao geral, inclusive a definiçao de direito. É necessário lembrar que definir nao substitui, e nao pode substituir, o estudo de todas as formas e aspectos do direito como um fenómeno histórico concreto. Ao identificar os mais gerais e característicos traços podemos definir o direito como a forma de reggulaçao e consolidaçâo das relaçôes de produçao e também de outras relaçôes sociais da sociedade de classe; o direito depende do aparato de poder estatal da classe dominante e reflete os interesses desta.

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Esta definiçao caracteriza o papel e a significância do direito na sociedade de classe. Mas ela é, no entanto, incompleta. Em contradiçao com todas as teorias normativas, as quais sao limitadas ao lado externo e formal do direito (normas, estatutos, jurisprudéncia, etc.), a teoria marxista-leninista considera o direito como uma unidade de forma e conteúdo. A superestrutura legal compreende nao somente a totalidade de normas e açôes de agentes, mas a unidade de seu lado formal e seu conteúdo, i.e. das relaçôes sociais que o direito reflete e ao mesmo tempo sanciona, formaliza e modifica. O caráter de formalizaçao nao depende da "livre vontade do legislador"; ele é definido pela economia mas, de outro lado, a superestrutura legal, uma vez surgida, exerce um efeito reflexivo sobre a economia.

Esta definiçao ressalta trés aspectos da questao. Primeiro, a natureza de classe do direito. toda lei é a lei da classe dominante. Tentativas de considerar a lei como uma relaçao social que

transcende a sociedade de classe levam ou a uma categorizaçao superficial de um fenómeno diverso ou a um construto idealista especulativo no espírito da filosofia burguesa do direito. Segundo, a básica e determinante significância das relaçôes de produçao no conteúdo implementado pelo direito. Os interesses de classe refletem diretamente sua relaçao com os meios de produçao. Relaçôes de propriedade ocupam um lugar proeminente na caracterizaçao de uma ordem legal específica. A sociedade comunista, onde as classes desaparecem, onde o trabalho se torna fato primário, onde o princípio efetivo será o de cada um conforme suas habilidades, a cada um conforme suas necessidades: isto nao requer direito. O terceiro aspecto consiste no fato de que o funcionamento de uma superestrutura legal demanda um aparato coercitivo. Quanto dizemos que relaçôes sociais assumiram uma expressao legal, isto significa inter alia que foi dada a elas uma natureza coercitiva pelo poder estatal da classe dominante. O definhamento do direito só pode ocorrer simultaneamente com o definhamento do Estado.

Relaçôes que receberam uma expressao legal sao qualitativamente diferentes daquelas relaçôes que nao receberam esta expressao. A forma desta expressao pode ser diferente, como indicado por EngelsS; ela pode ser às vezes boa e às vezes ruim. Ela pode auxiliar o desenvolvimento progressivo destas relaçôes ou, ao contrário, retardá-lo. Tudo depende se o poder está nas maos da classe revolucionária ou reacionária. Aqui aparece o verdadeiro significado da superestrutura legal. De qualquer forma, o grau desta realidade é uma questao factual, ele só pode ser determinado pelo estudo concreto e nao por cálculos a priori Juristas burgueses caracteristicamente concentram sua atençao na forma e ignoram completamente o conteúdo. Eles viram as costas para a vida e a história. Como Engels demonstrou, "eles consideram o direito público e privado como áreas independentes, que possuem seu próprio desenvolvimento independente e que devem e podem ser sujeitas a elaboraçôes sistemáticas independentes através da consistente eliminaçao de todas as contradiçôes internas"9.

Juristas burgueses geralmente definem o direito como uma totalidade de normas às quais o Estado deu poder coercitivo. Esta visao do direito tipifica o chamado positivismo jurídico. Os mais consistentes representantes desta tendéncia sao os juristas ingleses: desde os primórdios de Blackstone (século XVIII) até o posterior Austin. Em outros países europeus o positivismo jurídico também conquistou uma posiçao dominante no século XIX, ou porque a burguesia conquistou o poder estatal ou porque alcançou influéncia suficiente sobre o Estado de modo a nao temer a identificaçao do direito com a lei. Ao mesmo tempo, nada foi melhor para os profissionais

8 ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clässica Alemä. Disponivel em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1886/mes/fim.htm>. Acesso em 10 ago 2016.

9 ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clässica Alemä. Disponivel em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1886/mes/fim.htm>. Acesso em 10 ago 2016.

jurídicos, para juízes e para o conselho de defesa, uma vez que esta definiçao satisfaz plenamente

suas necessidades práticas. Se o direito é em sua totalidade o complexo de ordens advindas do

Estado e consolidadas pela sançao em caso de desobediência, entao a tarefa da jurisprudência era j22

definir isto com o máximo de clareza. O trabalho do jurista, de acordo com os positivistas, nao

consistia em justificar o direito de um ponto de vista externo, os filósofos estavam ocupados com

isto; a tarefa dos juristas nao incluía explicar de onde a norma surgia e o que determinava seu

conteúdo, esta era uma tarefa dos cientistas políticos e sociólogos. O papel do jurista permaneceu

sendo a interpretaçao lógica de previsoes legais particulares, o estabelecimento de uma conexao

lógica interna entre elas, combinando-as em unidades sistemáticas maiores, as instituiçoes legais,

e finalmente, desta forma, a criaçao de um sistema de direito.

A definiçao do direito como uma totalidade de normas é o ponto de início para apoiar o chamado método dogmático. Este consiste em usar conclusoes formais lógicas de forma a partir de normas particulares para conceitos mais gerais e de volta, procedendo de posiçoes gerais para propor soluçoes de casos legais concretos ou disputas. É óbvio que a parte prática deste papel, desenvolvido de forma luxuriante nas circunstâncias litigiosas da sociedade de classe, nada tem em comum com a teoria científica do direito. Aplicaçoes da chamada lógica legal nao sao somente teoricamente infrutíferas e incapazes de revelar a essência do direito e, assim, de mostrar sua conexao com outros fenómenos, com a economia, a política, a luta de classes, mas elas também sao danosas e inexequíveis na prática de nossas cortes soviéticas e outras instituiçoes estatais. Nós precisamos de decisoes de casos, nao formalmente, mas em sua essência; o Estado dos proletários, como distinto do Estado burguês, nao esconde seu caráter de classe ou sua finalidade: a construçao do socialismo. Assim, a aplicaçao de normas de direito soviético nao deve ser baseada em certas consideraçoes formais lógicas, mas em consideraçoes de todas as características concretas de cada caso, da essência de classe dessas relaçoes, do que se torna necessário aplicar a norma geral e a direçao geral da política do poder soviético em determinado instante. Caso contrário seria obtido um resultado que Lênin definiu como: "correto na forma, uma zombaria em substância".

A negaçao de uma lógica formal legal cultivada pelos burgueses nao significa a negaçao da legalidade revolucionária, nao significa que casos judiciais e questoes de administraçao devem ser decididas de forma caótica no Estado soviético, sistematicamente, com base nos caprichos aleatórios de indivíduos ou com base em influências locais. A luta pela legalidade revolucionária é a luta em duas frentes: contra o formalismo legal e a transferência para o solo soviético de sofismas burgueses e contra aqueles que nao compreendem o significado organizacional dos decretos soviéticos como um dos métodos da conduta uniforme da política da ditadura do proletariado.

Assim, o direito é o meio de formular e consolidar as relaçôes de produçao da sociedade de classe e as relaçôes sociais que sao conectadas com aquelas. Na superestrutura legal, esta relaçao aparece como relaçôes de propriedade, de dominaçao e subordinaçao. Elas aparecem, em j23

particular, como relaçôes de natureza ideológica, i.e. como relaçôes que sao formadas em conexao com certos pontos de vista e suportadas pela vontade consciente do povo.

Nao iremos nos fixar na questao do grau em que a ideologia das classes exploradoras é capaz de refletir a realidade e em qual medida ela inevitavelmente a distorce (representando o interesse da classe exploradora como o interesse social em ordem, legalidade, liberdade, etc.). Aqui, simplesmente enfatizamos o fato de que sem o trabalho de legisladores, juízes, policiais e guardas prisionais (em uma palavra, de todo o aparato do Estado de classe), o direito se transformaria em uma ficçao. "O direito nao é nada sem um aparato capaz de obrigar a observância das normas de direito" (Lénin).

A vontade consciente, na direçao da formulaçao e consolidaçao das relaçôes de produçao e outras, é a vontade da classe dominante que acha sua expressao no costume, na lei, na atividade das cortes e na administraçao. A superestrutura legal existe e funciona porque atrás dela existe uma organizaçao da classe dominante, exatamente o aparato de coerçao e poder na forma do exército, polícia, oficiais de justiça, guardas prisionais e carrascos. Isto nao significa que a classe dominante deve usar de força física em todos os casos. Muito é alcançado pela simples ameaça, pela noçao de desolaçao e da futilidade de resisténcia, pela pressao económica e, finalmente, pelo fato de que a classe trabalhadora está no cativeiro ideológico dos exploradores. É suficiente mencionar o narcótico da ideologia religiosa da humildade e mansidao ou a genuflexao diante do ídolo da legalidade burguesa pregada pelos reformistas.

Porém, o argumento final e a base principal da ordem legal é sempre o meio da força física. Somente dependendo dela o dono de escravos da antiguidade e o capitalista moderno usufruem de seus direitos.

As tentativas de certos juristas burgueses de separar o direito do Estado ou de contrastar "direito" e "força" sao ditadas pelo esforço de esconder e mascarar a esséncia classista do direito.

Comumente estas provas de que o direito é independente do Estado trazem consigo um caráter cómico. Assim, por exemplo, Stammler alega que ele provou sua tese com base no fato de que em um dirigível que sobrevoa o Pólo Norte, i.e. fora da esfera de açao de qualquer poder estatal, a emergéncia de relaçôes legais é possível.

Através destas artimanhas dogmáticas vazias, a questao científica da relaçao entre o Estado e o direito é decidida. Poderia alguém se surpreender com a reaçao de Lénin em relaçao a Stammler quando diz que: "através de argumentos estúpidos Stammler chega igualmente a conclusôes estúpidas"?

A dependéncia do direito em relaçao ao Estado, no entanto, nao significa que o Estado cria a superestrutura legal arbitrariamente. Para o Estado, como Engels diz, é apenas uma reflexao mais ou menos complexa das necessidades económicas da classe dominante em produçao.

O proletariado, tendo derrubado a burguesia e consolidado sua ditadura, teve que criar o direito soviético em conformidade com a economia, em especial com a existéncia de milhôes de pequenas e minúsculas fazendas de camponeses. Depois da vitória da revoluçao proletária a realizaçao do socialismo nao é um ato instantâneo, mas um longo processo de construçao sob as condiçôes de uma aguda luta de classes.

Da política de limitaçao de suas tendéncias exploratórias e de eliminaçao de suas fileiras de frente, nos movemos para uma política de liquidaçao dos kulakscomo uma classe através da expansao da coletivizaçao. Um cumprimento bem sucedido do primeiro plano quinquenal; a criaçao de nossa própria base tecnológica para a reconstruçao técnica de toda a economia nacional; a transferéncia da massa básica do campesinato para a coletivizaçao; estes eventos propiciaram a tarefa básica do segundo plano quinquenal a ser.

A liquidaçao final dos elementos capitalistas e das classes em geral, a total eliminaçao das causas das diferenças entre as classes e da exploraçao, a superaçao dos resquícios do capitalismo na economia e na consciéncia do povo, a transformaçao de toda a populaçao trabalhadora do país em construtores ativos e conscientes de uma sociedade sem classes10.

Em cada um destes estágios o direito soviético regulou e formulou diferentemente as relaçôes de produçao.

O direito soviético em cada estágio foi, naturalmente, diferente do direito nos Estados capitalistas, uma vez que o direito sob a ditadura do proletariado sempre teve os objetivos de proteger o interesse da "maioria trabalhadora, suprimir os elementos de classe hostis ao proletariado e defender a construçao socialista". Aqueles juristas soviéticos que consideravam o direito como uma totalidade de normas (i.e. externamente e formalmente) nao sao capazes de entender isto. Encontrando normas formuladas identicamente no sistema burgués e no direito soviético, estes juristas começaram a falar na similaridade entre o direito soviético e burgués, procurando por instituiçôes "gerais" e traçando o desenvolvimento de certas bases "gerais" para o direito burgués e soviético. Esta tendéncia foi muito forte nos primeiros anos da NEP11. A

10 De uma resolugao da 17a Conferencia do Partido.

11 N. do T. Nova Política Económica, posta em prática entre 1921 e 1928, caracterizada por Lenin como um recuo tático para a implantagao do comunismo.

identificaçao do direito soviético e burgués derivou do entendimento que encontrou uma expressao nas fileiras marxistas de que a NEP seria como um retorno ao capitalismo.

Se a NEP, como o opositor Zinoviev alegou no 14o Congresso do Partido, é o "capitalismo j25

que segura o Estado proletário em uma corrente", entao o direito soviético deve ser apresentado como um direito burgués no qual certas limitaçôes sao introduzidas da mesma forma como no período do imperialismo o Estado capitalista também regulava e limitava a liberdade de disposiçao da propriedade, a liberdade contratual, etc.

Tal distorçao na descriçao da NEP levou diretamente a uma aliança com os reformistas burgueses na compreensao do direito soviético.

De fato, a NEP "é uma política especial do Estado proletário com o objetivo de permitir o capitalismo enquanto os altos postos sao detidos pelo Estado proletário, direcionados para a luta entre os elementos capitalistas e socialistas, para a vitória dos elementos socialistas sobre os elementos capitalistas, para a eliminaçao das classes e para a construçao da fundaçao de uma economia socialista12".

O direito soviético, como uma forma especial de política seguida pelo proletariado e pelo Estado proletário, foi destinado precisamente para a vitória do socialismo. Como tal, é radicalmente diferente do direito burgués, apesar da semelhança formal dos estatutos individuais.

O formalismo jurídico, o qual concebe nada mais do que a norma e reduz o direito simplesmente a uma operaçao lógica sobre estas normas, aparece como uma variaçao do reformismo, como um "socialismo jurídico" soviético. Ao confinarem-se unicamente à norma e ao puramente jurídico (i.e. ideias e conceitos formais), eles ignoram a esséncia sócio-económica e política da questao. Como resultado, estes juristas chegam à conclusao que a transformaçao da propriedade de um direito arbitrário e irrestrito em uma "funçao social" (i.e. uma tendéncia que é "peculiar ao direito avançado, isto é, dos países capitalistas"), encontra sua expressao "total" na legislaçao soviética. Fazendo esta afirmaçao, os juristas "esqueceram" detalhes como a Revoluçao de Outubro e a ditadura do proletariado.

É importante nao apenas "ler" a norma, mas também saber qual classe, qual Estado e qual aparato estatal está aplicando a norma.

6. O direito e as relaçôes de produçao

As relaçôes de produçao formam a base da sociedade. É necessário começar com estas relaçôes de forma a compreender a figura complexa apresentada pela história da humanidade.

12 STALIN, Joseph V. The Fourteenth Congress of the C.P.S.U.(B.). Disponivel em: <https://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1925/12/18.htm>. Acesso em 10 ago 2016.

Procurar as características básicas da sociedade e das relaçôes sociais em uma área diversa das relaçôes de produçao significa privar-se da possibilidade de compreender cientificamente as leis do desenvolvimento das formaçôes sociais. No entanto, isto de modo algum significa que, de acordo com Marx, apenas relaçôes de produçao e de troca sao relaçôes sociais. Tal noçao é uma caricatura do marxismo. A equaçao das relaçôes sociais com as relaçôes de produçao, neste caso, é entendida de forma puramente mecânica. No entanto, algumas vezes Lénin percebeu que o grande serviço de Marx foi que ele nao se limitou à descriçao do "esqueleto" económico da sociedade capitalista, mas que.

ao explicar a construçao e desenvolvimento de uma determinada formaçao social "exclusivamente" através das relaçôes de produçao ele, nao obstante, de forma acurada estudou constantemente a superestrutura correspondente a estas relaçôes de produçao, as quais cobriram o esqueleto com carne e sangue. A razao pela qual Das Kapitalteve enorme sucesso foi que este livro ("de um economista alemao") mostrou a formaçao social capitalista como um ser vivo, com seus aspectos diários, com o verdadeiro fenómeno social essencial para a produçao de relaçôes de produçao entre classes antagonistas, com a superestrutura política burguesa protegendo a dominaçao da classe capitalista, com as ideias burguesas de liberdade, igualdade, etc., com as relaçôes familiares burguesas13.

Stuchka vé diferentemente a questao. Em sua opiniao, Marx considerou apenas as relaçôes de produçao e de troca como relaçôes sociais. Isto seria afirmar que Marx se limitou apenas ao "esqueleto", como se ao indicar o básico e eventualmente determinante na vida social e nas relaçôes sociais ele passou ao largo do que é derivado e requer explicaçao. No entanto, mais de uma vez Marx aponta diretamente a existéncia de relaçôes sociais que nao sao relaçôes de produçao mas que meramente derivam destas e correspondem a elas. Caracterizando o socialismo proletário revolucionário na França em 1848 Marx escreveu.

Este socialismo é a proclamaçao de permanéncia da revoluçao, a proclamaçao da ditadura da classe do proletariado como uma transiçao necessária em direçao à eliminaçao das diferenças de classe de uma só vez, em direçao à eliminaçao de todas as relaçôes de produçao sob as quais estas diferenças se baseiam, em direçao à eliminaçao de todas as

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13 LENIN, Vladimir Ilitch. What the "Friends of the People" Are and How They Fight the Social-Democrats. Disponivel em: < »https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1894/friends/>. Acesso em 10 ago 2016.

relaçôes sociais correspondentes a estas relaçôes de produçao, em direçao à revoluçao em todo o mundo de ideias surgidas destas relaçôes14.

Mesmo assim o camarada Stuchka defende firmemente seu entendimento sobre o termo O

"relaçôes sociais":

Nós procedemos das relaçôes sociais; enfatizo a palavra "social", já que aqui meus críticos sao desesperadamente confusos. Assim, selecionei a palavra "social" e todo um capítulo de meu livro foi dedicado apenas ao sentido das relaçôes de produçao e de troca (como Marx e todo marxista as compreendem)15.

Procedendo da equaçao de relaçôes de produçao e sociais, Stuchka definiu o direito como um "sistema (ou ordem) de relaçôes sociais correspondente aos interesses da classe dominante e protegido por sua força organizada". Nesta definiçao, como ele mesmo indicou, nao havia espaço somente para o direito de propriedade e o direito das obrigaçôes.

Como antes, e até mesmo agora [ele escreveu] eu considero o direito básico, o direito em geral, como o direito civil, entendendo assim a forma de organizaçao das relaçôes sociais no limitado e específico sentido da palavra (i.e. relaçôes de produçao e de troca). Eu considero que todas as demais áreas do direito sao de caráter subordinado ou derivado e que somente o direito burgués (sujeitando à sua influéncia todas as demais áreas do direito) criou um Estado legal, ou direito estatal, e um direito criminal como uma norma equivalente para crime e castigo, sem mencionar o direito administrativo, financeiro, etc., e finalmente o direito internacional ou também o direito de guerra16.

As posiçôes delineadas neste excerto contém uma série de erros. Nao há dúvida que a formulaçao e conformaçao das relaçôes sociais aos meios de produçao é básico para o direito. Partindo de uma base económica, de diferentes formas de exploraçao, nós diferenciamos os sistemas de direito escravocrata, feudal e capitalista. Mas, em primeiro lugar, é incorreto agrupar as relaçôes de propriedade das sociedades escravocratas ou feudais sob o conceito de civil, i.e. o direito burgués como "direito em geral". Em segundo lugar, direito estatal pode nao se equiparar como o chamado Rechtsstaat da burguesia. Se for tomado este ponto de vista entao deve-se negar

14 MARX, Karl. As Lutas de Classes em Franga de 1848 a 1850. Disponivel em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1850/11/lutas_class/>. Acesso em 10 ago 2016.

15 STUCHKA, Peter. A Course on Soviet Civil Law. Moscou: 1928.

16 STUCHKA, Peter. A Course on Soviet Civil Law. Moscou: 1928.

a existéncia de um característico direito estatal feudal ou que, apesar da existéncia de um Estado soviético nao possuímos um direito soviético. Ao mesmo tempo, em outras partes de seu manual, Stuchka prescinde da existéncia de diferentes sistemas de direito de classe. feudal, burgués, j28

soviético. Ele argumenta por um "direito geral" o qual é equiparado com o direito civil da sociedade burguesa. Ao mesmo tempo o direito estatal é equiparado com a teoria dos juristas burgueses do chamado Rechtsstaate o direito criminal (i.e. a repressao de classe formalizada) com a ideologia da retribuiçao equivalente.

A questao básica - existem relaçôes que ingressam no conteúdo do direito que nao sao, no entanto, relaçôes de produçao e de troca? - é evitada por Stuchka. Ele cita o caráter subsidiário, derivativo, etc., do direito estatal, criminal, etc. No entanto, é claro que a estrutura das relaçôes familiares, a formalizaçao da dominaçao de classe na organizaçao estatal, a formalizaçao da repressao de classe, tudo isso é abarcado pelos diferentes ramos do direito (família, estatal e criminal).

O conteúdo deste intermediário legal sao as relaçôes sociais e políticas, as quais, em uma análise final, sao redutíveis às mesmas relaçôes de produçao, mas de forma alguma correspondem a elas.

A subsequente definiçao de direito de Stuchka sofre da deficiéncia de sua limitaçao da área do direito meramente às relaçôes de produçao. Esta definiçao também introduz dúvida porque ela confunde direito e economia. Partindo de uma posiçao indiscutível que nem tudo que é colocado em uma norma (em uma lei) é realizado de fato, Stuchka chegou à incorreta conclusao de que o direito é de fato a própria relaçao de produçao e de troca. Stuchka, portanto, declarou o ensinamento de Marx - que o direito é uma superestrutura ideológica a ser um tributo à "teoria volitiva" dos antigos juristas.

Quem quer que tenha dominado a forma de teorizaçao de Marx e Engels que capital, dinheiro, etc., sao relaçôes sociais, entenderá de uma vez minhas visôes sobre o sistema de relaçôes sociais. Isto será mais difícil para um jurista para quem a lei é uma superestrutura puramente técnica e artificial, curiosamente oscilando sobre sua base. Até mesmo Karl Marx fez um pequeno tributo a este conceito quando falou sobre o direito como uma superestrutura ideológica. Marx, porém, foi criado sob o direito romano e em geral com os conceitos dos anos de 1830, considerando-os como uma expressao "da vontade geral" ( Volkswillen) e estava [portanto] acostumado com esta terminologia17.

17 STUCHKA, Peter. The Revolutionary Role of Law and State. Moscou. 1921.

Ao conduzirmos a luta com o conceito restrito e formalmente legal do direito como uma totalidade de normas, nao podemos negar a real existéncia da superestrutura legal, i.e. de relaçôes formuladas e consolidadas pela vontade consciente da classe dominante. Apenas na medida em j29

que este processo de formulaçao e consolidaçao prossegue é que pode-se falar de direito. Estudar o direito somente como uma totalidade de normas significa seguir o caminho do formalismo e dogmatismo. Mas estudar o direito somente como relaçôes de produçao e de troca significa confundir direito e economia, retardar a compreensao da açao recíproca da superestrutura legal e seu papel ativo. Ao mesmo tempo em que as relaçôes de produçao sao impostas ao povo a despeito de sua vontade, as relaçôes legais sao impossíveis sem a participaçao consciente da classe dominante. Os ensinamentos de Marx, Engels e Lénin sobre o direito como uma superestrutura ideológica nao necessitam de correçôes. O direito nao pode ser compreendido a nao ser que o consideremos como a forma básica da política da luta de classes. Em ediçôes posteriores de O papel revolucionário do Estado e do direito, Stuchka complementou sua definiçao de direito, desenvolvendo a teoria das chamadas trés formas de direito. A primeira, ou nas palavras de Stuchka, a forma concreta do direito, é a relaçao legal que corresponde à relaçao de produçao e, com isto, constitui a base real. De outro lado, as duas formas "abstratas", a lei e a ideologia legal, como Stuchka expressa, sao a esséncia da "superestrutura manifesta"1S

Esta abordagem também é incorreta e nao-dialética. Uma relaçao legal é uma forma de relaçao de produçao porque a influéncia ativa da organizaçao de classe da classe dominante transforma a relaçao factual em uma relaçao legal, dando a ela uma nova qualidade, e assim a inclui na construçao da superestrutura legal. Este resultado nao é obtido automaticamente através do laisez faire, da mesma forma que os preços sao estabelecidos sob o livre mercado. Até mesmo no caso do chamado direito consuetudinário, a classe dominante, através de suas agéncias especiais, através das cortes, garante que as relaçôes correspondam a regras obrigatórias. Isto é ainda mais verdade no que diz respeito à criaçao legislativa de normas.

Em especial, o papel revolucionário da superestrutura legal é enorme durante o período de transiçao, quando sua influéncia ativa e consciente sobre a produçao e outras relaçôes sociais assume uma significância excepcional. O direito soviético, como qualquer direito, deixará de existir se nao for aplicado. A aplicaçao do direito é um processo ativo e consciente através do qual o aparato estatal tem um papel decisivo como uma poderosa arma de luta de classes. Seria possível, por exemplo, falar de um direito soviético que nao reconhecesse de alguma forma o Estado soviético, as agéncias de poder soviéticas, as cortes soviéticas, etc.? É claro que enquanto uma lei específica pode ser removida da ordem legal e permanecer uma mera expectativa, relaçôes legais concretas podem nunca ser removidas da consciéncia e da vontade da classe

; STUCHKA, Peter. The Revolutionary Role of Law and State Moscou: 1921.

dominante, podem nunca ser transferidas de uma superestrutura para a base sem ser a partir do coraçao do materialismo histórico.

De tudo que foi dito acima fica claro que a definiçao do direito como um intermediário formal da economia deve ser reconhecido como insuficiente e incorreto. Os diferentes ramos do direito estao conectados de forma diversa com a economia. Isto nunca deve ser esquecido e nao está expresso na definiçao acima mencionada. Do contrário, pode-se levar à noçao de que a área do direito está limitada apenas pelas relaçôes de propriedade e, entao, todos outros ramos de direito devem ser declarados nao existentes. Stuchka teria, de fato, chegado a esta conclusao, mas ele fala de direito criminal e estatal, nao inteiramente consistente com sua outra posiçao i.e. ao referir-se a eles ele reconhece sua existéncia.

Nao há dúvidas que a economia é a base das relaçôes políticas, familiares e outras relaçôes sociais19. Mas o direito eleitoral em qualquer país capitalista facilita a economia de forma diferente do que ocorre com o direito civil ou o Código Penal. Tentar forçar todos os mais variados ramos do direito em uma fórmula é dar preferéncia a abstraçôes vazias.

O direito como uma facilitaçao formal de relaçôes sociais e (primárias) de produçao deve ser estudado concretamente. Este estudo nao pode ser substituído por citaçôes prontas de Hegel com respeito à "transformaçao da forma em substância e da substância em forma". O método dialético, o qual ensina que toda a verdade é concreta, se torna desta forma o seu oposto - o pensamento escolástico morto, argumentos vazios e disputas sobre o tema da "forma nao existir sem conteúdo e o conteúdo nao existir sem a forma". No entanto, a questao consiste em mostrar o papel e o caráter do direito como forma nos ramos do direito específicos e concretos e em condiçôes históricas concretas em uma relaçao com conteúdos concretos. Somente desta maneira pode ser estabelecida a real relaçao entre forma e conteúdo e pode-se convencer que esta nao é idéntica em casos diferentes. Frequentemente a forma legal esconde um conteúdo económico diretamente contrário a ela (assim, no período em que conduzimos a política de restringir os kulaks, o empréstimo de um cavalo ou de ferramentas de um camponés pobre para um rico comumente escondia a venda do trabalho do primeiro para o segundo). Uma transaçao de compra e venda pode esconder o mais variado conteúdo económico. O mesmo pode ser dito sobre outras relaçôes dentro do chamado direito das obrigaçôes. Aqui encontramos o fenómeno cuja forma é relativamente indiferente ao seu conteúdo, mas é impróprio concluir disto que no direito civil

19 "Se o Estado e o direito público sao determinados pelas relaçôes económicas, também evidentemente o é o direito privado que, essencialmente, sanciona apenas as ligaçoes económicas normais existentes, nas circunstâncias dadas, entre os individuos". ENGELS, Friedrich. Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alema. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/marx/1886/mes/fim.htm>. Acesso em 10 ago 2016.

temos uma "instrumentalidade impessoal" que deve ser usada independentemente do conteúdo económico de classe das relaçôes das quais depende. Pelo contrário, o significado da forma é reconhecido apenas através do conteúdo, através da economia, através da política e através das relaçôes entre classes.

Desta maneira, é um erro flagrante equiparar o direito como um fenómeno histórico, incluindo vários sistemas de classe, com a totalidade das características do direito burgués que deriva da troca de commodities de igual valor. Tal conceito de direito minimiza a coerçao de classe essencial ao direito burgués, ao direito feudal e a qualquer direito. O direito na sociedade burguesa serve nao apenas para facilitar a troca, mas simultaneamente e principalmente, sustenta e consolida a distribuiçao desigual da propriedade e o monopólio do capitalista na produçao. A propriedade burguesa nao é exaurida pelas relaçôes entre os donos de commodities. Estes estao amarrados pela troca, e a relaçao contratual é a forma desta troca. A propriedade burguesa inclui, de uma forma mascarada, a mesma relaçao de dominaçao e subordinaçao que aparece na propriedade feudal, especialmente, como subordinaçao pessoal.

Este erro metodológico foi relacionado com a relegaçao do papel repressivo do direito, com a incorreta apresentaçao da relaçao entre o Estado e o direto (o Estado como o garantidor da troca), com erros em questôes de moral (a negaçao da moralidade proletária) e nas questôes de direito criminal.

As tentativas de distinguir entre características formais e conceitos abstratos legais expressando a relaçao entre donos de commodities e de proclamar esta "forma de direito" como o sujeito da teoria marxista do direito, devem ser reconhecidas como fortemente erradas. Isto pavimenta o caminho para a separaçao entre forma e conteúdo e desvia a teoria da tarefa de construçao socialista para o pensamento escolástico.

A relaçao imediata, na prática, entre o proletariado (como a classe dominante) e o direito (como a arma que ajuda a decidir a tarefa da luta e classes em qualquer estágio) é neste caso substituída por uma negaçao teórica abstrata dos "horizontes restritos do direito burgués" em nome do comunismo desenvolvido.

Desta perspectiva o direito soviético é visto exclusivamente como o legado da sociedade de classes imposta ao proletariado e que o assombra até a segunda fase do comunismo. A exposiçao teórica abstrata do direito "burgués" esconde a tarefa da análise concreta do direito soviético nos diferentes estágios da revoluçao. Por consequéncia, ele dá uma indicaçao concreta insuficiente para a luta prática contra as influéncias burguesas e contra as distorçôes oportunistas da linha geral do Partido no direito soviético.

O erro teórico de exagerar a importância das relaçôes de mercado pode ser a base para conclusôes oportunistas no sentido de sempre preservar as formas burguesas de direito

correspondentes á troca privada. Reciprocamente, ignorar a troca ao considerar os problemas do direito soviético leva a posi^öes "esquerdistas" sobre o definhamento da responsabilizado económica e do principio do pagamento de acordo com o trabalho, i.e. para a defesa da j32

eliminado da responsabilidade individual e da igualdade de salários.

Referencias

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